3/11/2017 0 Comentários Paulo Luís @ Rescaldo de Incêndio, Castanheira de Pêra, Oliveira do HospitalNome
Paulo dos Santos Luís Instituição/Conferência/Encontro, Cidade e País Castanheira de Pêra, Oliveira do Hospital - Rescaldo de Incêndio Como foi o processo de gestão das equipas no terreno? Nos incêndios de Pedrógão Grande a gestão foi feita pela Autoridade Nacional de Protecção Civil que coordenava as equipas multidisciplinares no terreno, as quais eram constituídas por elementos da Saúde Pública, GNR, Segurança Social, ANPC, INEM e outras entidades que se associaram ao longo dos dias como a PSP (com psicólogos), a Ordem dos Enfermeiros, etc. De referir a excelente ideia de sermos conduzidos no terreno pelos carteiros, os quais para além de conhecerem todos os caminhos, serviam de facilitadores de comunicação com os cidadãos, alguns deles a viver em sítios completamente isolados. Já no caso de Oliveira do Hospital a coordenação foi local com a equipa de Saúde Pública, da qual faço parte, a coordenar-se com a equipa de saúde mental da Unidade de Cuidados na Comunidade, com a assistente social da Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados, com os serviços municipalizados de saneamento da Câmara Municipal, com o veterinário municipal, etc. Quais foram as tuas funções? Identificar cidadãos afectados pelos incêndios que carecessem de apoio médico, sanitário, psicológico ou outro. Para além disso, qualquer tipo de situação que comprometesse a saúde pública como animais vivos de cidadãos falecidos nos incêndios ou carcaças de animais que necessitassem de intervenção dos veterinários municipais. Estas eram as funções oficiais, mas enquanto médico as pessoas desabafam connosco naturalmente e acabei a dar também apoio, especialmente humano! Aquilo por que as pessoas passaram é impossível de explicar por palavras. Nem elas conseguiam! Achas que foi uma experiência enriquecedora a nível profissional? Quais as maiores aprendizagens? Sim, a nível profissional foi bastante enriquecedor. Estar no terreno enquanto decorriam os eventos (chegava a casa ao final do dia coberto de cinzas) e perceber a dificuldade que é actuar num cenário de catástrofe trouxe reais mais-valias à minha formação. As maiores aprendizagens diria que foram a consciencialização de que a organização e a preparação são essenciais nestes cenários, pois sem elas o trabalho torna-se quase impossível; a necessidade de conhecer-se bem o terreno ou termos connosco alguém que o conheça e, acima de tudo, esperarmos o inexpectável. Termos de ser capazes de reagir rapidamente a situações não previstas e, para tal, temos de ter preparação. E aí creio que faz imensa falta formação e treino em catástrofes, a todos os níveis e em todas as estruturas. O que mais te marcou nesta experiência? Difícil de responder! Lidei com a revolta das pessoas que se sentiram abandonadas pelo Estado, com o desespero, com o trauma, com os olhares vazios fixos num horizonte vago...situações verdadeiramente complicadas! Uma senhora gritou e chorou no meu ombro durante imenso tempo mal aparecemos à entrada da sua casa. A casa era tudo o que restava de uma vida de trabalho. Pediu-me imensa desculpa por estar a fazê-lo, mas precisava de gritar alto, dizia ela. Já tinham passados três dias desde que o fogo a tinha rodeado em casa e até àquela altura nenhuma entidade tinha contactado com ela. Enfim, são imensas histórias de perdas também elas imensas. E depois há o cheiro de tudo queimado, a terra que arde e fumega debaixo dos nossos pés. Creio que esse cheiro ficará gravado na minha memória por muitos anos!!! Depois desta experiência, qual achas que deve ser o papel de um médico de saúde pública nestas situações? Este mesmo que falei acima: o de garantir as condições higieno-sanitárias da sua comunidade, a promoção da saúde e a prevenção da doença. No fundo, os objectivos da saúde pública: cuidar da sua comunidade! Que conselhos darias a outros internos que gostassem de ter uma experiência semelhante? Para além da necessidade de formação prévia nesta área, algo de que senti falta pessoalmente, cuidarem de si durante todo o processo. Temos de cuidar de nós enquanto cuidamos da nossa comunidade. Como exemplo dou o reforço do meu centro de saúde em psicólogos, os quais também estão atentos à saúde mental dos profissionais de saúde que estiveram ao serviço durante a catástrofe. São experiências que nos marcam e, como tal, não devem ser subestimadas
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