1. Ano de Internato
1º ano de internato 2. Quais as principais tarefas que desempenhaste desde o início da pandemia COVID-19 em Portugal? Inquéritos epidemiológicos e rastreio de contactos; gestão das notificações SINAVE; participação na elaboração do Boletim Epidemiológico do Alentejo Litoral e reporte de dados; ações de formação e esclarecimento (estabelecimentos escolares, estabelecimentos de venda ao público, ERPIs); planeamento, organização e realização de colheitas de amostras para testes a SARS-CoV-2; colaboração na gestão e controlo de clusters e surtos (nomeadamente num parque de campismo); acompanhamento de comunidades vulneráveis de migrantes; vistorias a eventos e estabelecimentos. 3. Que reflexões fazes relativamente à importância desta experiência no teu internato? Tem sido um momento único de aprendizagem, de aplicação prática de conceitos e conhecimento que de outra forma só poderia contactar na teoria e nos livros. Desde março que as minhas atividades enquanto interna estão relacionadas com a pandemia, o que significa que o contacto com outras atividades habituais de uma USP possa estar a ser prejudicado. No entanto, poder entrar nesta especialidade e ter a oportunidade de experienciar o que é trabalhar numa emergência global de Saúde Pública, contribuir com o meu trabalho e poder adquirir conhecimento que de outra forma não seria possível vai inequivocamente deixar a sua marca no percurso dos internos deste ano. No meu caso particular, que sempre vivi, estudei e trabalhei no Grande Porto (com uma breve mas saudosa passagem por Barcelos), iniciar Saúde Pública numa realidade diferente daquela que conhecia e em contexto de pandemia tem sido muito desafiante mas sem dúvida muito gratificante também. 4. Que impacto teve a pandemia da COVID-19 na tua prática local? Todo o serviço teve de ser reorganizado, todas as classes profissionais se tiveram de adaptar a novas funções, vieram profissionais de outros serviços dar apoio e reforçar as equipas. A maioria das atividades correntes foram suspensas e todas as ações foram reajustadas para ter a COVID-19 como foco. Por exemplo, as ações em Saúde Escolar ou de Saúde Ambiental centraram-se em sensibilizar, informar e esclarecer acerca da pandemia. Foi preciso aprender a lidar com situações novas, muitas vezes relacionadas com populações especiais (migrantes, idosos isolados) ou com a capacidade de resposta dos serviços da região e que não fariam estritamente parte das funções de um profissional de Saúde Pública (por exemplo, na organização e execução de colheitas de rastreio de contactos com contexto epidemiológico específico ou na coordenação, gestão e operacionalização de soluções para casos sociais). Mais do que nunca, a articulação com várias entidades loco-regionais de vários setores (saúde, forças de segurança, das autarquias, do setor social, entre muitas outras) foi de uma importância tremenda. Também a comunicação com os colegas de outras regiões foi fundamental, devido à grande percentagem de população móvel (turística e profissional) que a região tem. Aqui no Alentejo Litoral não tivemos, até agora, transmissão comunitária ativa, pelo que nunca deixámos verdadeiramente a fase de contenção alargada para entrar em fase de mitigação. Isso implicou algumas pequenas adaptações no nosso modo de atuar face aquilo que são as normas e orientações da DGS e o que esteve a ser feito no resto do país. O facto de termos proporcionalmente menos casos que muitas outras USP deu-nos a oportunidade e a responsabilidade de fazermos um acompanhamento rigoroso e exaustivo de todas as notificações, resultados, vigilâncias. Mas também por isso, tivemos de nos saber reorganizar com os recursos humanos que temos, de forma a garantir que nada nos escapava. Desde muito cedo que recrutámos Internos de Formação Geral para nos dar apoio, contactámos diretamente com os principais laboratórios da região para assegurar uma via direta de receção de resultados, criámos um sistema de verificação de todas as notificações (médicas e laboratoriais), resultados e dados para reporte com vista a detetar qualquer incongruência. Tudo isto tem implicado muitas horas de trabalho (à semelhança do que tem acontecido em todas as USP de Norte a Sul do país) e não teria sido possível se a situação epidemiológica da região fosse diferente. Mas também acredito que este trabalho exaustivo de verificação de toda a informação e capacidade de resposta célere na identificação e isolamento de casos e contactos contribuiu de forma decisiva para que a situação epidemiológica, até ao momento, tenha evoluído desta forma. Exemplo disso, foi o surto no Parque de Campismo da Galé, em Grândola. Tivemos conhecimento, já tardiamente, da existência de vários casos fora da nossa região mas com ligações ao parque, o que significou que os primeiros casos do Alentejo Litoral pertencentes a este surto foram identificados numa fase em que o contact tracing detetou muitos contactos de risco. Foi uma situação que muito facilmente podia ter evoluído para transmissão comunitária ativa, mas felizmente parece que o conseguimos conter e controlar até ao momento. E não consigo atribuir esse sucesso apenas à sorte, mas sim às inesgotáveis horas de trabalho e dedicação que os vários profissionais da nossa equipa dedicaram nessas semanas, num verdadeiro espírito de missão e entrega. Uma vez mais, a nossa ação célere foi determinante, e refletiu-se em todos os momentos do processo, desde a identificação rápida e eficaz das pessoas mais suscetíveis e dos contactos de maior risco, ao seu isolamento, até à capacidade de testagem pela nossa própria equipa da USP, que tem muita experiência a fazer colheitas em série de forma rápida, segura, económica e com rigor técnico. Só a nossa equipa foi responsável pela testagem de mais de 200 pessoas relacionadas com o surto, distribuídas por 3 manhãs, o que permitiu uma identificação atempada dos casos confirmados e acelerou o desencadear de todos os procedimentos relacionados. Portanto, têm sido meses de trabalho intenso, mas que tem dado os seus frutos, dos quais muito nos orgulhamos. 5. Que vantagens poderá ter está pandemia em atividades que venhas a desempenhar como futuro Médico Especialista em Saúde Pública? Certamente que toda a aprendizagem com o que tem sido feito, bem e menos bem, me vai acompanhar na vida futura. Acredito que no futuro as minhas funções a nível de planeamento, epidemiologia, gestão de informação, comunicação, trabalho de equipa, vão ser moldadas pela experiência do meu primeiro ano de internato. Arrisco até que, direta ou indiretamente, a vivência desta pandemia enquanto Médica Interna de Saúde Pública terá influência em toda a minha atuação como futura especialista e que, idealmente, se irá traduzir numa melhor preparação e capacitação como profissional.
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1. Ano de Internato
4º ano de internato. 2. Quais as principais tarefas que desempenhaste desde o início da pandemia COVID-19 em Portugal? A principal atribuição desempenhei-a em conjunto com a colega interna Carolina Torres e que era ser ponto focal entre a Unidade de Saúde Pública (USP) do ACES do Baixo Mondego e o Departamento de Saúde Pública (DSP) da ARS do Centro. Esta função implicou, numa fase inicial, a comunicação diária de dados de identificação de casos e vigilâncias, que era fundamental para cruzar casos e contactantes e identificar linhas de transmissão activas. Nas fases posteriores, passou a ser uma via de comunicação bilateral e frequentemente fonte de identificação de novos casos, articulação entre ACES da ARS ou entre outras ARS. Para além disso, desempenhámos ainda a função de pontos de articulação dentro da USP. Assim, de forma permanente, diária e sem folgas, era necessário verificar novos casos através das várias fontes de informação (contactos diretos, resultados de análises laboratoriais de hospitais públicos e de laboratórios privados, SINAVEmed/lab, listas da LAM e, posteriormente, WOWCOVID e TraceCOVID), distribuí-los (embora o nosso ACES abranja 10 concelhos, cerca de 60% dos casos foram em Coimbra, tornando-se impossível aos médicos de Saúde Pública deste concelho investiga-los a todos), reportar esses casos à coordenação da USP e ao DSP, requisitar e reportar informação sobre as vigilâncias e casos para completar em base de dados própria, verificar o estado de recuperação ou óbito de casos activos, reencaminhar casos que se verificou não terem ligação epidemiológica na área do ACES, e vários pedidos extraordinários que passavam invariavelmente por acesso aos dados (listas para autoridades policiais, requisições de exames em lares, verificar quem está responsável por um processo específico, etc). Estas tarefas, embora relativamente simples nos seus processos foram dificultadas, na fase mais crítica, pelo volume das mesmas acrescida ao acumular de vigilâncias, assim como pela relativa falta de profissionais médicos (especialistas e internos) na unidade, o que levou a alguma sobrecarga. Para além disso desenhei (em colaboração) o plano de contingência COVID-19 do centro de saúde de São Julião da Figueira da Foz, adaptei material informativo COVID-19 para migrantes e para elos de ligação que prestam apoio a migrantes (no âmbito do estágio/projecto de intervenção, antes de haver casos no ACES) e, como todos, fiz seguimento de casos, contactos de caso e contactos suspeitos. 3. Que reflexões fazes relativamente à importância desta experiência no teu internato? Para um interno de Saúde Pública, a experiência de trabalhar durante um período de pandemia é uma oportunidade para não só ver um ambiente de trabalho mais dinâmico como para também fazer por imprimir essa dinâmica na unidade, permitindo assim conjugar a capacidade técnica com a capacidade de trabalho. O usufruto foi mais proveitoso por estar nesta fase do internato uma vez que permitiu pôr em prática muito do até agora aprendido, embora tenha sido e continue a ser uma enorme fonte de aprendizagem, ainda que de forma muito intensa e concentrada. Isto inclui ainda o ponto-de-vista interpessoal e de gestão das relações de trabalho, fundamentais à prática médica e da Saúde Pública, que resultaram de um trabalho de equipa e de gestão e divisão de tarefas, concorrentes a um objectivo claro e comum entre todos. Assim, embora a aplicação de conhecimento tenha sido uma boa ferramenta de validação do mesmo, diria que a experiência foi mais enriquecedora de um ponto de vista intangível e da esfera das competências do que propriamente do ponto de vista formal do programa do internato. Ter acompanhado e participado activamente na gestão da epidemia nos nossos ACES será um carimbo indelével da nossa experiência de internato e uma referência fundamental para os eventos futuros. 4. Que impacto teve a pandemia da COVID-19 na tua prática local? De março a maio estive a trabalhar na sede da USP em Coimbra, ao invés do meu local habitual, na Figueira da Foz. Assim, pude trabalhar de forma dedicada e exclusiva na actividade COVID-19, tendo havido (como sabeis) suspensão das actividades não-essenciais nas unidades e dos estágios dos internatos. Assim, entre março e maio terei cumprido o meu estágio opcional, estando agora (junho e julho) a retomar os dois meses finais do meu estágio de intervenção. Tendo o tema abordado nesse estágio alguma implicação na pandemia (acesso à saúde por cidadãos estrangeiros), havia uma necessidade em explorar que impacto teve a pandemia nesta população específica e neste problema específico. Em termos de impacto directo implicou assim um novo diagnóstico, e uma ligeira reformulação de objetivos, ajuste das estratégias e metas para que vão de encontro aos problemas encontrados. 5. Que vantagens poderá ter está pandemia em atividades que venhas a desempenhar como futuro Médico Especialista em Saúde Pública? Especialmente numa altura em que a situação está ainda longe de estar resolvida (para além das crises vindouras de um futuro mais ou menos imediato) será um ponto de referência inexorável. Se não vejamos que contempla facilmente várias das 10 Funções Essenciais da Saúde Pública e as que não contempla directamente acabam por ser contempladas de forma indirecta, pelos determinantes que para ela influem. Há ainda três aspetos que quero destacar. Um é a importância dos dados, em particular os seus significados e fontes. Estas diferenças qualitativas interferiram diariamente na medição do risco, no planeamento em saúde e consequentemente nas acções a tomar na unidade. Demonstrou-se ainda de forma clara que quando a comunicação de risco é efectiva e o problema é suficientemente transcendente torna-se possível alterar comportamentos (com maior ou menor grau de intervenção em literacia associado), uma das tarefas mais difíceis e morosas em Saúde Pública. Finalmente, e infelizmente, senti a relevância dada à Saúde Pública pela administração em saúde numa época de pandemia. Com tristeza se vê que nem no maior momento de visibilidade se conseguiram resolver os problemas crónicos da especialidade ou, no limite, sentir respeito pelo nosso trabalho quando comparado com determinadas especialidades. Um mau presságio para o futuro como especialista. |
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