1. Ano de Internato
4º ano de internato [E o desafio de ser a única médica interna na Unidade de Saúde Pública do Barlavento.] 2. Quais as principais tarefas que desempenhaste desde o início da pandemia COVID-19 em Portugal? Quando os recursos humanos são poucos, acabamos por fazer um bocado de tudo. No início, ao deparar-me com um aumento súbito de casos e com o número de vigilâncias e inquéritos epidemiológicos que isso implicava, apercebi-me que era urgente ter uma equipa estruturada só para esse efeito. Mas colocar esta necessidade em prática foi uma tarefa extremamente difícil. Vimo-nos obrigados não só a recrutar outros profissionais externos à Unidade, mas inclusive a mudar de instalações, porque as condições de trabalho estavam longe de serem ideais. Hoje sou responsável pela gestão desta equipa, com a qual tem sido muito gratificante trabalhar. Um dia normal de trabalho passa por identificar novos casos confirmados de COVID-19, proceder ao rastreio de contactos, fazer avaliação de risco, distribuir vigilâncias. Tudo isto é feito e discutido em equipa, o que tem resultado bastante bem. Adicionalmente, tenho participado em reuniões conjuntas com a Comissão Municipal de Proteção Civil, onde, regularmente, se discutem e põem em prática diferentes medidas a nível local, cuja necessidade muitas vezes é justificada pelo ponto de situação reportado pela Unidade de Saúde Pública. 3. Que reflexões fazes relativamente à importância desta experiência no teu internato? Durante o internato médico vamos desenvolvendo alguma experiência em vigilância epidemiológica com outras doenças que acabam por requerer uma abordagem de certa forma semelhante à que estamos a enfrentar. Iniciei o meu internato médico com o desafio de um surto de sarampo, mas parece que vou acaba-lo com um desafio bem mais difícil de lidar. Não só pela novidade que a COVID-19 representa, mas sobretudo pela dimensão de casos que dela resultam. Ninguém estava preparado para algo deste género. A minha Unidade, como muitas outras, teve de “parar” para se dedicar praticamente em exclusivo à contenção desta pandemia. Não desvalorizo o enorme contributo em termos de formação e experiência profissional que tenho retirado desta experiência, mas espero que o seu maior contributo seja a constatação de que é necessária uma melhor organização e capacitação dos serviços de Saúde Pública, a nível local, regional e nacional. 4. Que impacto teve a pandemia da COVID-19 na tua prática local? A tendência tem sido para responder que esta pandemia veio abalar por completo a nossa prática local e que o seu impacto terá sido sobretudo negativo. Muitas das fragilidades que a nossa especialidade ainda enfrenta foram colocadas a descoberto. Somos poucos e continuamos a desempenhar funções que não correspondem às verdadeiras competências de um médico de Saúde Pública. Eu, à semelhança de praticamente todos os meus colegas de internato, vi-me obrigada a suspender a minha formação para dar total apoio na contenção desta pandemia a nível local. Deixei de ter fins-de-semana, folgas ou férias. Tem sido um desgaste enorme não só a nível profissional, mas também a nível pessoal. Espero que um impacto positivo de toda esta situação seja, finalmente, o reconhecimento da importância do nosso trabalho e que haja um maior investimento nas nossas condições de trabalho, incluindo em sistemas de informação que deem resposta às necessidades atuais. Não podemos continuar a trabalhar com tabelas Excel e a reportar pontos de situação via e-mail. 5. Que vantagens poderá ter está pandemia em atividades que venhas a desempenhar como futuro Médico Especialista em Saúde Pública? No imediato, somos capazes de referir o conhecimento que se adquire em termos não só de investigação de surtos, mas também na sua contenção e prevenção. Por muita formação que possamos ter em determinada área, é efetivamente no terreno que melhor se aprende. Sinto que poderei ter melhorado as minhas capacidades organizativas, de trabalho em equipa e de gestão e priorização de tarefas. Mas foi também durante esta pandemia que me apercebi, verdadeiramente, de que modo uma decisão nossa pode influenciar fortemente a saúde das populações. Afinal a responsabilidade que recai sobre nós também é enorme. Tudo isto tem sido um desafio à minha motivação e à minha escolha pessoal. Mas aparte todas as dificuldades, hoje continuo a afirmar que Saúde Pública é, sem dúvida alguma, a escolha certa.
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