29/9/2023 0 Comentários CARINA SILVA @ Projeto IMAGINE Bissau (Infant Malnutrition and Anemia in GuINE Bissau) - 2023Nome Carina Castro Silva, 3º ano Experiência Projeto IMAGINE Bissau (InfantMalnutritionandAnemia in GuINE Bissau), inserido no Estágio de Investigação. O que te motivou a desenvolver o teu próprio projeto? Nos últimos 16 anos, tentei sempre realizar projetos em África, tanto em contexto de trabalho como de investigação, tendo passado por 5 países (Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Guiné-Conacri). Assim, quando surgiu a oportunidade de conjugar um estágio do internato com um gosto pessoal, foi, sem dúvida, o mote para a criação do projeto IMAGINE Bissau. Durante o CESP, tentei perceber junto do Instituto de Higiene e Medicina Tropical se seria possível realizar uma investigação num dos países com quem já tinha relações interinstitucionais. E foi-me lançado o desafio de regressar à Guiné-Bissau. Houve parcerias com outras entidades/instituições? Havia oportunidade de financiamento? O início do meu estágio foi dedicado à realização de fundraising para o projeto. Infelizmente, após imensos e-mails e contactos na tentativa de desenvolver parcerias, nunca consegui uma resposta positiva. Acho que não obtive sucesso por se tratar de um projeto a ser executado num curto espaço de tempo e com um orçamento reduzido. Talvez não tenha aliciado os possíveis financiadores, que estão habituados a projetos com equipas e com períodos mais longos. Apesar desta dificuldade, consegui concretizar o projeto com a ajuda do IHMT, de uma empresa da indústria (Quilaban) que me cedeu um hemoglobinómetro portátil e algumas microcuvetes, de um crowdfunding, de apoio logístico por parte do Instituto Camões em Bissau e de algum investimento monetário pessoal. Em que consistia o projeto? Que atividades incluía? Quais foram as tuas funções? Sendo um projeto incluído no estágio de Investigação, como o nome refere, consiste na realização de uma investigação. Normalmente são utilizados dados secundários para a concretização da mesma, mas neste projeto, incidiu-se na colheita de dados primários, o que se tornou um dos seus grandes desafios. O objetivo principal do projeto era a determinação da prevalência dos vários tipos de malnutrição e anemia, em crianças dos 6 aos 59 meses, nas regiões de Gabu e Bafatá, e, posteriormente, a análise de possíveis relações com fatores sociodemográficos. Contudo, ao longo de toda a preparação, o projeto foi crescendo, e acabou por se tornar um projeto de âmbito nacional, com uma amostra de aproximadamente 1600 crianças, distribuídas pelas 11 regiões da Guiné-Bissau. Face aos objetivos expostos, foi criado um questionário que recolheu informações como: demografia, educação dos pais, parto, informações clínicas, aleitamento e alimentação nas últimas 24 horas, e condições de saneamento. Para além do questionário, as crianças foram avaliadas antropometricamente (peso, altura/estatura); foi-lhes medido o perímetro braquial e a concentração da hemoglobina - recorrendo ao uso de um hemoglobinómetro portátil. Todo este processo decorreu entre os meses de junho e julho de 2023, durante os quais fiz, sozinha, toda a colheita de dados. Consegui avaliar 1608 crianças e percorri várias áreas sanitárias de todas as regiões da Guiné-Bissau. Como funciona o sistema de saúde no país? Que dificuldades existem? Qual é a tua perspetiva em relação aos serviços de saúde? O sistema de saúde da Guiné tem imensas limitações. Sendo um país de baixo rendimento, tem as suas dificuldades, necessitando de ajuda internacional para poder ultrapassá-las. Existe um hospital central, com carências a todos os níveis - por vezes duras de observar. É frequente os profissionais de saúde não receberem há meses e, quando estive em Bissau em fevereiro, mais de 1000 profissionais tinham sido despedidos por incapacidade, por parte do governo, de pagar o seu salário. Isto leva a que haja muito pouco acompanhamento dos doentes, tanto agudos como crónicos, agravando a situação de saúde de todos os guineenses. As principais causas de morte ainda continuam a ser as doenças infetocontagiosas - como a diarreia, infeções respiratórias e HIV - e, adicionalmente, as doenças crónicas, como as doenças cardiovasculares. Depois de percorrer quase todos os cantos da Guiné, a minha perspetiva do que pode melhorar os serviços de saúde é a aposta na educação e investimento na organização e planeamento dos serviços de saúde. Foi impactante, para mim, perceber que, num país com cerca de 2 milhões de pessoas, uma percentagem considerável nunca foi à escola. Há tabancas (aldeias) em que quase nenhum dos pais das crianças que avaliei tinha ido um único dia à escola. Como poderemos dar informações e esperar que estas sejam recebidas e interpretadas sem educação? Para um tratamento efetivo, para além de um bom sistema de saúde, precisamos de utentes que entendam a mensagem. Achas que foi uma experiência enriquecedora a nível profissional? Quais as maiores aprendizagens? Apesar de já ter tido muitas experiências a este nível, todas acabam por ser únicas e ricas em muitos aspetos. Confesso que esta foi, deveras, a mais intensa fisicamente. Percorrer estradas todos os dias - várias delas sem qualquer semelhança com as nossas, onde o alcatrão é escasso, ou não existe, e onde os buracos são predominantes - levava, ao fim de uns quilómetros, à sensação de ter feito um passeio de barco com muita turbulência ou de ter sido “agredida” por alguém, tal era a dor de costas com que se ficava. Por outro lado, ver criança a criança - por vezes com ajuda, outras vezes sem ninguém para me auxiliar - fez com que, em certos dias, após cerca de 100 crianças avaliadas, dissesse que não conseguia mais, por já estar noite cerrada, por já estar de lanterna na cabeça e por não ter comido nada desde o pequeno-almoço (um pão e um café). Muitas vezes, dormia onde calhava, mas, em parte, tive a sorte de ser acolhida em alguns locais por congregações religiosas, que, à parte da religião, faziam-me companhia no final do dia e partilhavam comigo a experiência de quem está no terreno há mais de 30 anos - sem falar da boa comida que me “obrigavam” a comer. Foram, sem dúvida, dias muito intensos que, mais uma vez, me fizeram crescer pessoalmente e profissionalmente. Foi o despertar da minha resiliência, que achava que não “esticava” mais, ao ver e aprender com a resiliência de colegas que trabalhavam sem condições, ou de populações que lutavam todos os dias para ter alimento. Foi relembrar que, às vezes, com pouco se faz muito e que é apenas necessária vontade. Tiveste oportunidade para conhecer melhor outros colegas e a cidade onde desenvolveste o projeto? O que achaste do país/cidade/local/organização? Por coincidência, consegui cruzar-me com dois colegas de saúde pública, um especialista que foi trabalhar para a Cooperação Portuguesa e outro colega que suspendeu o internato para trabalhar nas Nações Unidas. Além disso, como é um país com uma forte presença de ONGs e Cooperações, temos a oportunidade de conhecer vários profissionais, mesmo fora da área da saúde. Apesar de ter uma “base” na capital, Bissau, acabei por passar lá sempre “de fugida” aos fins de semana ou quando passava entre regiões. Sinto que não aproveitei o país ou os locais por onde passei, pois os dias estavam contados e dedicava sempre um dia a um sector ou, às vezes, dois. O que mais te marcou nesta experiência? Tenho alguma dificuldade em conseguir ser objetiva nesta resposta. Há ainda muita coisa que precisa de ser mudada na Guiné-Bissau e torna-se quase uma frustração pessoal ver a potencialidade de um país não ser aproveitada. São 50 anos de independência, outros tantos de cooperação internacional, que acabam por não confluir numa sustentabilidade de crescimento e melhoria da qualidade de vida dos guineenses. Perceber que ainda há pessoas sem educação, que passam fome, que morrem sem apoio, é um tanto difícil. Que conselhos darias a outros internos que gostassem de ter uma experiência semelhante? Por mais espetacular e intensa que tenha sido a experiência, honestamente, não a aconselharia nos moldes em que a realizei. Se gostarem de aventura, incerteza e, por vezes, alguma insegurança, até pode ser interessante. Contudo, sugiro fazerem este tipo de experiências integrados em projetos já implementados ou com uma estrutura já montada no país. Sozinhos num projeto desta dimensão e sem experiência prévia, tornar-se-á um desafio difícil de ultrapassar.
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