Corria o ano de 2017, estava eu no primeiro ano de Internato Médico de Saúde Pública e não havia qualquer vislumbre de uma pandemia no horizonte. Depois de muito procurar, optei por me aventurar numa formação onde viria a ser o único profissional de saúde presente – a Pós-Graduação de Visualização de Informação, promovida pelo ISCTE-IUL e pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (cliquem aqui para saber mais sobre a especialização atualmente em curso). Este foi um dos passos mais importantes que dei na área da comunicação em saúde, cuja importância acredito que é hoje unânime. E sendo a comunicação uma das funções essenciais na saúde pública, temos uma responsabilidade redobrada pelos diversos públicos com quem interagimos enquanto médicos de saúde pública. A perspetiva que te quero dar não se centra unicamente na mera representação gráfica de dados, em que muitas vezes tendemos a cair. Quero falar-te da importância que tem a comunicação visual, como forma de traduzir dados complexos, de facilitar a memorização e até a compreensão das mensagens. Lembras-te da frase “uma imagem vale mais do que mil palavras”? É mesmo verdade, e a ciência por trás desse conceito chama-se efeito de superioridade de imagem. Nunca mostres apenas dados. Em vez disso, faz dos dados um ponto de partida para uma história envolvente que leve a audiência a agir. Cole Nussbaumer Knaflic Por isso, a visualização de dados é uma ferramenta cada vez mais importante na saúde pública, dado que permite a comunicação eficaz de dados complexos para uma variedade de audiências. Com o crescente volume de dados gerados na área da saúde, a visualização de dados é um valioso apoio na monitorização de indicadores, na identificação de padrões e na tomada de decisão em saúde. E é particularmente útil quando procuramos representar dados de âmbito geográfico – imagina uma tabela com as temperaturas máximas de todos os concelhos em Portugal… ou um mapa com a mesma informação representada. Os primórdios da visualização de dados levam-nos a 1858, quando a enfermeira Florence Nightingale publicou um gráfico que mostrava o impacto das doenças infeciosas nas baixas no exército britânico, mais do que as feridas da própria guerra. O exemplo perfeito de como um gráfico pode influenciar impérios inteiros. Um dos principais públicos para os quais a visualização de dados em saúde pública é particularmente relevante é a comunidade. Ao apresentar dados de saúde de uma forma visualmente apelativa, simplificando mensagens que podem ser muito complexas, estaremos mais perto de influenciar positivamente o comportamento dos cidadãos. Mas um infográfico não resolve todos os problemas. Esta será apenas uma das vertentes que deves ter em conta na comunicação com a comunidade envolvente e que permite comunicar de forma mais eficiente com populações com menor literacia em saúde. O exemplo da imagem seguinte poderá ser bastante útil para mostrar a importância da vacinação contra o sarampo. Iria até mais longe, visto que o design de informação pode ser aplicado em vários materiais informativos produzidos nos serviços de saúde, tornando-os em verdadeiras ferramentas para promover a saúde dos cidadãos. Pormenores como os ícones utilizados para comunicar não são meramente estéticos. Foi precisamente esse o foco do projeto Saúde à Medida, que iniciei no ACES Lisboa Central, e que junta profissionais de saúde a estudantes de design de informação, para renovar vários folhetos informativos. Se tiveres interesse em saber mais sobre o projeto diz-me – geral@comunicacaoemsaude.pt. Outro público importante para a visualização de dados em saúde pública são os decisores na área da saúde, desde o nível local ao internacional. Ao utilizar a visualização de dados para monitorizar tendências, facilitamos a tomada de decisões com base em dados e evidência científica, e não em meras suposições. É curioso perceber que, se por um lado a visualização de dados aumenta a quantidade de dados que podem ser analisados e comunicados, também diminui o esforço cognitivo necessário para os interpretar, o que pode conduzir a alguma falta de estímulo crítico na sua utilização. É por isso também fundamental investir na capacidade de análise e interpretação de vários formatos de visualização de dados, por parte dos decisores. Recomendo que navegues um pouco na página do Institute for Health Metrics and Evaluation para descobrir o potencial que a visualização de dados pode ter na análise e comunicação de vários temas relevantes para a saúde pública. A ferramenta dedicada ao Global Burden of Disease é particularmente interessante, mas requer o domínio de alguns conceitos de visualização de dados para ser utilizada na sua plenitude. Há uma vasta gama de ferramentas disponíveis para criar visualizações de dados, desde simples ficheiros produzidos em Microsoft Excel® até complexos softwares como Tableau®. Essas ferramentas oferecem enorme potencial de interatividade e integração de inteligência artificial, permitindo a criação de visualizações altamente sofisticadas. Mas até que ponto essa complexidade é útil? É um equilíbrio que precisas encontrar, já que uma ferramenta altamente técnica que não é usada por ninguém terá pouco interesse. Para além disso, é importante que os médicos de saúde pública mantenham um espírito crítico ao produzir e interpretar gráficos, considerando sempre outros critérios lógicos, como a causalidade. Nunca é demais relembrar que o facto de existir uma correlação entre vários dados estatísticos não garante que exista uma relação causal entre estes. Figura 3. Ainda que a qualidade dos filmes em que entra o Nicolas Cage seja questionável, não deverá haver uma relação causal com o número de pessoas afogadas em piscinas (https://www.tylervigen.com/spurious-correlations). Termino com um foco específico na formação em visualização de dados em saúde. Considero que esta é uma competência importante para todos os médicos de saúde pública, capacitando-os para interpretar dados em diversos formatos gráficos, assim como produzir informação relevante para a comunidade e serviços de saúde em que estão inseridos. Evitando potenciais erros como aqueles que podes ver na página WTF Visualizations. Como menciona uma das referências nesta área, Jorge Camões, as infografias tornaram-se numa espécie de pandemia. Atualmente, muitos dados são simplificados em infográficos sem grande interesse, não dando hipótese para análises mais aprofundadas e promovendo apenas uma verdadeira infografia de clickbait. Não basta ter acesso a todos os dados possíveis e imaginários e colocá-los num infográfico ou num dashboard, se depois este não for utilizado nem gerar qualquer tipo de decisão ou ação. Não só os dados importam, mas também a forma visual que lhes damos, a sua funcionalidade e as histórias que escondem. Para já, ficam três dicas essenciais que podes aplicar facilmente a partir de hoje:
Se tiveres interesse na área da comunicação em saúde, convido-te a acompanhar a Academia de Comunicação em Saúde e a minha página pessoal no LinkedIn, onde partilho várias dicas e oportunidades formativas, incluindo sobre visualização de dados. Autor Duarte Vital Brito
Edição Valter Loureiro Júlia Martinho
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Os Sistemas de Informação Geográfica (SIG) são sistemas computacionais usados para capturar, armazenar, gerir e analisar dados geográficos.
Os SIG são extremamente flexíveis e admitem dados de vários tipos e origens: mapas com limites administrativos, fotografias aéreas, localizações obtidas usando um sistema de navegação por satélite, imagens de satélite, entre outros. Além de permitirem criar mapas temáticos (ex.: colorir unidades territoriais em função dos valores de uma determinada variável), os SIG permitem fazer inferências e cruzar informação de forma a dar solução a problemas geográficos. E, quase tudo em saúde pública, é um problema geográfico – desde identificar onde estão as áreas de alto risco de uma dada infeção, a investigar se uma determinada indústria está a gerar danos na saúde das pessoas que vivem nas suas imediações. Num SIG, o território é representado por um conjunto de camadas (em inglês designadas “layers”), cada uma das quais representando um tipo de objeto. Por exemplo, imaginemos que queremos estudar o impacto do ambiente construído na prevalência da obesidade. Uma das camadas poderá conter a localização das residências dos vários utentes de um Agrupamento de Centros de Saúde (e seu respetivo índice de massa corporal), outra a rede de estradas, outra a localização de espaços verdes, outra a localização de restaurantes de fast-food, etc., etc. Nos SIG, estas camadas estão georreferenciadas (ou seja, posicionadas de acordo com um determinado sistema de referência), o que permite fazer análises que cruzem as diferentes camadas de informação. Esta capacidade única permite-nos, por exemplo, determinar a distância entre a residência do utente e os espaços verdes mais próximos e, posteriormente, avaliar a associação entre essa distância e a condição de saúde do utente (neste caso ser ou não obeso). Contributos dos SIG para o exercício da especialidade de Saúde Pública O estudo de John Snow (pai da epidemiologia moderna) sobre o surto de cólera de 1854 em Londres é o exemplo mais conhecido que ilustra o poder do mapeamento e da abordagem geográfica na saúde pública, demonstrando que a epidemiologia, a saúde pública e os SIG caminham de mãos dadas desde a sua origem. Mas, focando-nos na realidade presente, os SIG e a análise espacial permitem atuar em várias vertentes que fazem parte das atividades de um Médico de Saúde Pública. Eu destacaria aqui três áreas:
Expectativas futuras Os SIG são tecnologias relativamente recentes (o seu uso generalizado começa nos anos 1990) e em constante transformação, o que significa que se esperam grandes inovações neste campo. Falando estritamente nas metodologias que poderão servir à saúde pública, diria que aqui a expectativa é que a saúde pública se aproprie cada vez mais das ferramentas que já estão disponíveis nos SIG, como análise de redes, métodos de deteção de aglomerados espácio-temporais, análise de decisão multicritério, modelos de locação-alocação, entre outras. Além disso, prevê-se que os mapas web se banalizem (no bom sentido) como veículo de monitorização e comunicação de dados em saúde. Para tal, muito contribuiu a pandemia causada pela COVID-19 cujos números são monitorizados e divulgados em tempo real através de mapas web e dashboards, como o criado pela John Hopkins ou o nosso equivalente nacional da Direção Geral de Saúde. Finalmente, é expetável que se comecem a usar cada vez mais fontes de dados recolhidas por cidadãos (ex.: posts geocodificados nas redes sociais, dados de sensores) para a investigação e prática em saúde pública, incluindo a gestão de crises em saúde pública (epidemias, desastres naturais). É igualmente esperada uma maior utilização de grandes dados caracterizados pela sua enorme granularidade temporal, espacial e multidimensionalidade, o que implica o uso de técnicas como machine learning, data mining e inteligência artificial, já implementadas em software comercial SIG como o ArcGIS. Desafios a enfrentar Há dois desafios principais. O primeiro diz respeito ao acesso à informação. Os dados com informação de localização são dados identificáveis e, se acoplados com informação de saúde, são considerados dados sensíveis. Logo, sobretudo com a entrada em vigor do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, as regras e limitações de acesso a dados de saúde georreferenciados a nível individual ou associados a pequenas áreas geográficas são cada vez maiores. O segundo desafio é o da formação. Os médicos de saúde pública têm um percurso académico e profissional extremamente exigente e curricularmente denso, havendo pouco tempo para aprofundar os conhecimentos técnicos necessários ao uso dos SIG, sobretudo os SIG da era atual, que oferecem ferramentas que cruzam saberes da estatística, informática, computação e gestão de dados. Logo, precisamos de apostar na formação dos profissionais de saúde pública e sensibilizar as organizações acerca da importância de divulgarem (de forma legal e segura) dados de saúde com a granularidade temporal e espacial necessária para se efetuarem análises com reais implicações práticas, conforme preconizado pela Saúde Pública de Precisão (do inglês “Precision Public Health”). Formação em SIG Atualmente, existem imensos cursos online e presenciais para aprender SIG. Mas aqui vou ter de ‘puxar a brasa à minha sardinha’… O Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (2015) tem vindo a organizar um curso intensivo anual intitulado “Geographical Information Systems for Public Health” que aborda as metodologias de aquisição de dados, geoprocessamento e estatística espacial necessárias para desenvolver um projeto SIG na área da saúde pública. Além disso, o Curso de Especialização Médica em Saúde Pública (CESP), que tem lugar no ISPUP desde 2015, tem uma unidade curricular de 30h de SIG, o que garante que os internos em formação terminem o seu período de especialização com conhecimentos relativamente aprofundados na área. Finalmente, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), no nível pós-graduado – mestrado em Saúde Pública e Doutoramento em Saúde Pública - existe uma Unidade Curricular de SIG e outra de Métodos Avançados em SIG onde estas ferramentas são também abordadas. Autora Ana Isabel Ribeiro
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Fevereiro 2024
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