Segundo Kickbusch (2006) literacia em saúde diz respeito à capacidade de cada indivíduo para tomar decisões informadas em relação aos cuidados de saúde de que necessita. Aumentar a literacia em saúde significa capacitar as pessoas para que acedam, compreendam, avaliem e utilizem a informação de saúde, tomando decisões no seu dia a dia e assumindo o controlo sobre a sua própria saúde. (1) Sorensen e colaboradores publicaram em 2012 (2) o resultado de uma revisão sistemática que ajuda a compreender este conceito. Trata-se de um conceito, também amplamente trabalhado em Portugal na ENSP (Pedro, 2016) (3) que tem vindo a assumir cada vez mais importância pelo seu papel na manutenção ou melhoria da saúde dos indivíduos, pois a evidência demonstra que quanto maior for o nível de literacia, melhor será o estado de saúde do indivíduo e consequentemente, menor e mais adequada será a utilização dos serviços de saúde, assim como a despesa daí decorrente, quer para o próprio, quer para o SNS. A par, também o seu enorme contributo para combater as desigualdades em saúde. (4, 5) Todavia, o inquérito europeu de literacia em saúde (EHLS), aplicado em Portugal em 2014, demonstra que 61% da população inquirida apresenta um nível de literacia geral em saúde problemático ou inadequado. (3) Na dimensão de promoção da saúde, aquela que aqui mais importa, 60,2% da população inquirida apresenta nível de literacia em saúde problemático ou inadequado (salientando-se que a média dos países europeus inquiridos se situa nos 52,1%). (3) Como defende Santos (2010) a literacia em saúde, ou seja, “o conhecimento sobre os fatores que promovem e defendem a saúde e sobre os fatores de risco para a saúde, bem como a capacidade de utilizar e aplicar de forma efetiva esse mesmo conhecimento, é determinante para a adoção de comportamentos e estilos de vida salutogénicos”. (6) Sendo conhecida e aceite, por um lado, a importância da literacia em saúde que tem vindo a ser colocada em destaque na agenda da saúde em Portugal e por outro, sabendo-se que o nível de literacia em saúde da população portuguesa está muito aquém do que seria necessário para uma efetiva promoção da saúde e adoção de estilos de vida saudáveis, para melhores resultados em saúde e redução dos custos associados, parece fundamental compreender as medidas que têm vindo a ser implementadas para alterar esta situação. Aqui destacamos duas dessas medidas: a biblioteca de literacia em saúde e o plano de ação para a literacia em saúde 2019-2021. A biblioteca de literacia em saúde A biblioteca de literacia em saúde nasceu de uma parceria entre a Escola Nacional de Saúde Pública, da Universidade Nova de Lisboa e o CITI da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, sendo mais tarde englobada na iniciativa “SNS+Proximidade”, coordenada pelo professor Sakellarides, igualmente responsável pela ideia da construção de um “repositório” de literacia que deu origem à biblioteca. A sua finalidade seria a de melhorar a saúde dos portugueses, tendo para isso que se “mobilizar as comunidades locais para a protecção e promoção da sua própria saúde, investindo na capacidade de cada cidadão de tomar decisões informadas sobre a sua saúde, ao longo do seu percurso de vida” (7) ou seja, investindo e promovendo a literacia em saúde. Adoptou-se para esse efeito uma abordagem centrada em dois aspectos: i) facilitar o acesso a materiais promotores de literacia já existentes e cuja qualidade foi sujeita a avaliação por uma equipa editorial, considerando-os como boas práticas de promoção de literacia em saúde, organizando-os num local acessível a todos – um repositório digital e ii) produzir uma colecção de livros digitais que privilegiasse a síntese informativa e abordagens comunicacionais mais eficazes, que seriam parte integrante da biblioteca de literacia em saúde, como exemplos de conteúdos que deveriam ser aí incluídos. A biblioteca, que passou a estar disponível no Portal do SNS, pretendia ser um instrumento chave para a promoção da literacia e consequentemente, da promoção da saúde, que procurava identificar, recolher, validar, organizar e tornar acessíveis boas práticas informativas e comunicacionais. (7) Tinha ainda como característica o facto de se ter iniciado com conteúdos relativos a temas de promoção e protecção da saúde transversais a várias situações, deixando de fora conteúdos sobre patologias específicas. Os conteúdos, obrigatoriamente acompanhados por uma ficha técnica eram, como já referidos, sujeitos a escrutínio por um Grupo Editorial que desenvolveu as “linhas orientadoras para a produção, disponibilização e aplicação de recursos de promoção de literacia em saúde”. Este grupo contava com um Comité Editorial coordenado pela professora Ana Escoval, com uma equipa técnica da ENSP e ainda com um vasto painel de peritos revisores que analisavam os conteúdos de acordo com os critérios de elegibilidade abaixo, para assim decidir a sua integração ou exclusão na biblioteca de literacia:
O acesso à biblioteca, através do Portal do SNS permitia aceder aos conteúdos através de pesquisa por palavra chave, por tema ou ainda pelas fases do ciclo de vida, contando com um total de cerca de uma centena de conteúdos e ainda com um conjunto de 10 livros digitais construídos com o intuito de servirem de exemplo de boa prática de comunicabilidade e de promoção de literacia em saúde. Um leitor mais atento daria conta de que esta informação sobre a biblioteca está escrita no passado, apesar da mesma continuar disponível para consulta. Foi incluída na iniciativa “SNS+Proximidade”, resultado da integração do Plano Nacional de Educação para a Saúde, Literacia e Autocuidados do Programa para a Gestão Integrada da Doença Crónica, que se efectivou através de um projecto piloto na região norte (tendo-se posteriormente constatado que havia, espalhados pelo país, dezenas de outros projectos detentores de características que lhes permitia ser integrados nesta abordagem). Porém, foram múltiplas as dificuldades encontradas, desde a sua ausência no discurso político, à falta de mecanismos de coordenação entre os vários níveis de gestão do SNS. Culminou, no fim de 2018 com a mudança governativa, no fim do “SNS+Proximidade” e na paragem da biblioteca. Apesar de continuar online não parece ter havido qualquer alteração, desenvolvimento ou introdução de novos conteúdos desde essa altura. (8) Plano de Acção para a Literacia em Saúde Com o fim da iniciativa “SNS+Proximidade” as temáticas e instrumentos até então desenvolvidos pelo Núcleo de Apoio Estratégico (NAE) em colaboração com as entidades do Ministério da Saúde, foram “divididos”. A literacia em saúde e respectiva biblioteca passou para a gestão da DGS, a integração de cuidados para a ACSS. No entanto, o desenvolvimento e manutenção dos instrumentos tecnológicos, quer no âmbito da literacia, quer no âmbito da integração, continuariam da dependência da SPMS. Não se conhece qualquer evolução, naquilo que respeita a literacia em saúde, face ao que existia no final de 2018 a não ser a publicação, já em 2019, do plano de acção para a literacia em saúde, pela DGS. Este plano tinha como objectivo consubstanciar-se no instrumento de operacionalização da estratégia para a promoção da literacia em saúde, enviada para publicação em julho de 2018, focando-se em quatro eixos: (9) i) estilos de vida saudáveis; ii) capacitação para a utilização adequada dos serviços de saúde; iii) promoção do bem-estar; e iv) promoção do conhecimento e investigação. Esta operacionalização (9) pretendia:
Destes objectivos, conhece-se a publicação do Manual de Boas Práticas de Literacia para os Profissionais de Saúde. De resto, não se conhecem outras iniciativas ou até o impacto dos objectivos que eventualmente se tenham atingido. Seria talvez o momento oportuno para se avaliarem os resultados, aprender com a experiência e implementar as necessárias alterações, seguindo a lógica das políticas adaptativas. Não esquecendo a possibilidade de uma nova aplicação do questionário europeu de literacia em saúde, para melhor se compreender a evolução dos últimos 6 anos, já que a importância da literacia e a sua relevância para a promoção da saúde e para combater as desigualdades em saúde parece justificar o interesse de várias entidades da Saúde nesta temática. Patrícia Barbosa, MD, PhD, Investigadora - Fundação para a Saúde - Serviço Nacional de Saúde Referências 1. Kickbusch, I.; Wait, S.; Maag, D. Navigating health: the role of health literacy. London: Alliance for Health and the Future. International Longevity Centre, UK, 2006. 2. Sorensen, K. et al. Health literacy and public health: a systematic review and integration of definitions and models. BMC Public Health, 2012; 12:80. 3. Pedro, AR.; Amaral, O.; Escoval, A. Literacia em Saúde – dos dados à acção: tradução, validação e aplicação do European Health Literacy Survey em Portugal. Ver Port Saúde Pública, 2016; 34 (3): 259-75. 4. Mancuso,JM. Health Literacy: a concept/dimensional analysis. Nurs Health Sci. 2008; 10(3): 248-55. 5. Nielson-Bohlman, L.; Panzer, A.; Kinding, D. (eds). Health Literacy: a prescription to end confusion. Washington DC: National Academy Press, Committee on Health Literacy, Institute of Medicine, 2004. 6. Santos, O. O papel da literacia em saúde: capacitando a pessoa com excesso de peso para o controlo e redução da carga ponderal. Endocrinologia, Diabetes e Obesidade. Vol 4 nº 3 jul/set 2010, 127-34. 7. Ministério da Saúde. Mudança centrada nas pessoas: SNS + Proximidade. Ministério da Saúde, Núcleo de Apoio Estratégico, 2017. 8. Sakellarides, C.; Barbosa, P. Integração de cuidados no SNS: gerir o percurso das pessoas através dos serviços de saúde que necessitam. 2020 9. Direção-Geral da Saúde. Plano de Acção para a Literacia em Saúde 2019-2021. Lisboa: DGS, 2019. Nota: o autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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Fevereiro 2024
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