1/9/2021 0 Comentários DIPLOMACIA DA SAÚDEDesde há vários séculos que a humanidade aprendeu a mais-valia da diplomacia em detrimento da guerra. Contudo, só recentemente se percebeu como a saúde pode também ser uma via diplomática entre países e comunidades, reforçando os seus laços na procura do bem-estar das suas populações. O conceito de “Diplomacia da Saúde” pode ser definido como um mecanismo chave da ação internacional, definindo-se como um espaço político e técnico, sobretudo desde que a saúde foi reconhecida como uma questão transfronteiriça no século XX. Esta ideia ganhou expressão com o desenvolvimento do conceito de Saúde Global, cuja definição por Ilona Kickbush de 2002 é particularmente relevante (recomenda-se a sua leitura nesta ligação). A compreensão da existência de ameaças globais para lá da linha imaginária que separa os países e a necessidade de promover a saúde através da cooperação transfronteiriça reforçou o desenvolvimento destes conceitos, que interagem entre si. Se algum tempo houve na história em que o conceito de “Diplomacia da Saúde” mais se destacasse, este é provavelmente esse tempo. Desde a ameaça de uma doença que atravessa fronteiras a uma velocidade nunca antes vista, à necessidade de respostas e intervenções coordenadas entre países, nunca, como agora, se sentiu a necessidade de os países se articularem entre si. Naturalmente, essa articulação é feita com base em diferentes interesses, formas de estar e preocupações, o que exige, não só dos profissionais de saúde, mas também de políticos e diplomatas, novas ferramentas e conhecimentos para fazer frente a esta situação. Por isso, importa envolver profissionais de outras áreas além da saúde para que o verdadeiro conceito de “Diplomacia da Saúde” se possa concretizar. De um ponto de vista mais prático, observou-se uma oportunidade de concretização destes conceitos através “diplomacia das vacinas”, a qual veio também expor os riscos e fragilidades deste sistema. A luta entre países para desenvolver uma vacina para a COVID-19 e a própria distribuição dessas mesmas vacinas demonstrou o carácter diplomático que estas assumiram durante esta pandemia. Não é por acaso que se viu países como China, Rússia ou Estados Unidos da América a distribuir milhões de vacinas pelo mundo (figura 1), não de forma arbitrária, mas em consonância com interesses geopolíticos, revelando também um dos lados mais frágeis deste conceito. É para este ponto que deve ser chamada alguma atenção, na forma como esta diplomacia pode ser usada para a obtenção de ganhos em outras áreas que não a saúde. Pode-se considerar até que poderá ter alguma legitimidade, contudo, não está de acordo com uma verdadeira visão humanista da “Diplomacia da Saúde”. Ultrapassado este desafio, já outro se encontra muito próximo: as alterações climáticas que já se observam e o seu impacto na saúde humana, desproporcional entre países de alto e baixo rendimento. Aqui também será de esperar que o papel da “Diplomacia da Saúde” venha a ganhar ainda mais relevo nas próximas décadas, dado o impacto que as alterações climáticas poderão ter na origem de catástrofes naturais, movimentos migratórios, acesso a recursos naturais, entre outros, com consequências na saúde das populações. Após esta breve reflexão sobre o tema, importa agora refletir sobre o nosso papel como Médicos de Saúde Pública e como Portugueses. A Saúde Pública, como especialidade médica que se ocupa com a melhoria do nível de saúde das populações, tem aqui um magnífico instrumento ao seu dispor. Além do mais, uma verdadeira “Diplomacia da Saúde” carece de multidisciplinariedade e partilha, características que a Saúde Pública está habituada, tanto dentro do contexto do sector da saúde, mas também fora, através do contacto com outros profissionais como sejam advogados, embaixadores, gestores, economistas, políticos, entre outros. Não será possível desenvolvermos este conceito sem colaborarmos com estes profissionais, tanto através de um apoio técnico como consultores, como também através da sua formação e capacitação, áreas nas quais a Saúde Pública se constitui novamente como uma especialidade ímpar. Foi neste contexto que em 2018 ocorreu a primeira edição do FÓRUM Diplomacia da Saúde como um espaço de partilha e debate entre profissionais de diferentes áreas. Como Portugueses, temos também um importante papel a desempenhar a este nível, ou não fossemos nós um entre muitos povos que falam português e que, assentes nessa característica, criaram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) ou a comunidade dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), duas comunidades onde a saúde pode ser uma força de progresso e crescimento. Aliás, destaque-se os vários sucessos recentes da diplomacia portuguesa, nomeadamente a eleição do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, o que demonstra a nossa preparação nesta área. É agora então necessário que esta preparação evolua para também incluir temas de saúde. Inquestionavelmente, o caminho terá que ser feito através da cooperação internacional, quer baseada em agências internacionais (Nações Unidas, Organização Mundial de Saúde), ONGs, fundações, iniciativa privada, como pela cooperação direta entre países. Para lá do apoio às necessidades mais básicas de saúde, dever-se-á também promover outros aspetos como a investigação médica e farmacêutica, a vigilância epidemiológica, a preparação para desastres e emergências de saúde pública e a criação de ambientes promotores da saúde. O objetivo é nobre – obtenção de uma melhor saúde da população. Devemos é garantir que percorremos o melhor caminho para lá chegar, para que “a solidariedade internacional possa superar a competição predatória entre nações” (1) porque cada vez mais compreendemos que “a saúde não conhece fronteiras”. Autor: Luís Guedes
Referências: 1 – Buss, Paulo, Carmo Leal, Maria; Saúde global e diplomacia da saúde; Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 25(12):2540-2541, dez, 2009.
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