28/3/2018 1 Comentário Doença dos Legionários: um problema desconhecido ou uma realidade menosprezada?Os últimos surtos de Doença dos Legionários (DL) vieram recentrar a discussão sobre a bactéria Legionella. A presença da bactéria no nosso país é conhecida desde 1981, ano em que foi diagnosticado um caso de DL num militar. A confirmação do caso exigiu o envio do soro do doente para um laboratório de referência nos EUA, dado o conhecimento sobre esta etiologia ser recente e ainda não estarem disponíveis métodos nos laboratórios portugueses que permitissem a confirmação do diagnóstico (1). Desde então a situação alterou-se profundamente, os profissionais de saúde têm atualmente ao seu dispor métodos adequados de diagnóstico que permitem a deteção atempada dos casos de DL (2). Os dados disponíveis demonstram a circulação da bactéria no nosso país. Um estudo que avaliou a presença de anticorpos anti-Legionella, em 500 dadores de sangue, mostrou que 61% possuía os referidos anticorpos no soro, evidenciando que a população portuguesa saudável tem contato com a bactéria (3). Por outro lado, desde a inclusão da DL, em 1999, na lista de doenças de declaração obrigatória, todos os anos têm sido reportados casos de doença, situando-se atualmente as notificações na ordem dos 200 casos de DL por ano. Figura 1 - Evolução do número de casos de DL notificados em Portugal, 1999-2016 (Fonte: DGS, 2017). No ano de 2014 ocorreu o surto de Vila Franca de Xira e foi implementada a notificação eletrónica através do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) (4). Na análise dos dados a partir desta data tem que ser considerada a utilização do SINAVE, podendo este facto representar um viés de notificação, mais do que um aumento real da incidência da doença. A nível mundial a espécie Legionella pneumophila é a responsável por, aproximadamente, 90% dos casos de DL, mas não é a única, tendo já sido descritas outras 23 espécies de Legionella associadas a infeção no homem (tabela 1). Os principais focos de transmissão da Legionella ao homem são sistemas ou equipamentos que produzem aerossóis de água, nomeadamente, torres de arrefecimento, condensadores evaporativos, sistemas de arrefecimento de água de processo industrial, sistemas de arrefecimento de cogeração, humidificadores. Constituem ainda risco, redes prediais complexas, principalmente as de água quente, sistemas de irrigação, fontes decorativas, piscinas e instalações de hidromassagem, entre outros (6, 7, 8). O risco não está nas estruturas, mas na inadequada instalação e/ou manutenção. Projetos que na fase de construção utilizem materiais que propiciem o desenvolvimento da bactéria, desenhos ou utilizações que permitam a estagnação da água, associados à presença de biofilmes e de processos de corrosão e/ou incrustação, contribuem para a acumulação de produtos nutritivos e consequentemente favorecem a multiplicação da bactéria (6, 7, 8). Se nas estruturas houver um mecanismo de produção de aerossóis e se a bactéria Legionella estiver presente, pode ocorrer a sua dispersão e consequentemente, a probabilidade de inalação por indivíduos suscetíveis. Os surtos ocorridos no final de 2017 (Hospital S. Francisco Xavier) e início de 2018 (Hospital CUF Descobertas) vieram relembrar a importância da implementação de medidas de prevenção e controlo ambiental de acordo com uma avaliação prévia do tipo de risco. A única forma de evitar a colonização de sistemas disseminadores de aerossóis com estirpes virulentas da bactéria é, entre outras, o controlo do pH e da temperatura, e a aplicação controlada de choques térmicos e biocidas (6, 7, 8). Relembre-se que a bactéria tem um tempo de multiplicação de, aproximadamente, 50 minutos, pelo que negligenciar estas medidas em instalações com histórico de contaminação com Legionella, leva à quebra da barreira sanitária e ao risco de uma rápida recolonização. Por esta razão, vários países implementaram quadros legislativos específicos que orientam para procedimentos adequadas que minimizam a ocorrência de casos e surtos associados à Legionella. A aplicação de coimas em caso de incumprimento justifica-se, dado que, as práticas incorretas constituem perigo para a saúde pública. Em Portugal, a legislação existente é escassa e, para piorar a situação, existe um leque alargado de pessoas que aborda o assunto de forma desadequada. É pois urgente a elaboração de uma lei específica que esclareça o equívoco de considerar que esta bactéria é um agente poluidor. A sua proliferação não afeta os ecossistemas nem degrada as características do ambiente em geral, pelo que a sua prevenção e controlo não deve estar associada à qualidade do ar interior. Ciente desta realidade, um grupo de trabalho elaborou uma proposta de lei focada nas vertentes da prevenção e da vigilância e onde são também abordadas as regras de gestão das situações de risco ou de surto de DL. De acordo com o que foi anteriormente referido, a prevenção terá que assentar no autocontrolo e responsabilidade dos proprietários de sistemas ou equipamentos de risco, e a vigilância terá que ser efetiva e eficaz, penalizando-se os infratores. É ainda pertinente, referir o papel das autoridades de saúde na investigação epidemiológica. É fundamental aquando da realização dos inquéritos epidemiológicos, obrigatórios sempre que ocorre um caso de DL, que os doentes sejam inquiridos de forma ativa sobre a sua passagem e /ou permanência junto de fonte emissoras de aerossóis, questionando sobre exemplos concretos. A inquirição não orientada poderá conduzir a respostas evasivas, por desconhecimentos dos potenciais focos de contaminação, e consequentemente levar à não identificação da fonte responsável pela infeção. Informação para o público em geral e formação específica para os responsáveis por equipamentos e sistemas de risco e para os profissionais de saúde que lidam com a investigação dos casos de DL é essencial, para aumentar a literacia sobre a doença e como evitá-la, uma vez que a erradicação da bactéria é impossível dado que a Legionella é ubíqua na água doce. Maria de Jesus Chasqueira Centro de Estudos de Doenças Crónicas, CEDOC, NOVA Medical School/Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal Referências bibliográficas:
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Fevereiro 2024
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