A Economia consiste no estudo da forma como as pessoas fazem escolhas em condições de escassez de recursos, da sua distribuição pelas várias pessoas e grupos na sociedade e das consequências dessas escolhas, no presente e no futuro (Samuelson, 1989). A Economia da Saúde (ES) refere-se à aplicação, ao setor da saúde, da forma de pensar os problemas e procurar soluções presente na moderna análise económica (Barros, 2013). Pela dimensão, complexidade e importância do setor da saúde numa sociedade, bem como pelas suas especificidades, considera-se a economia da saúde como disciplina autónoma da economia. As dimensões de estudo da economia da saúde são tão abrangentes quanto o estudo do valor da saúde, dos determinantes da saúde, dos determinantes da procura e oferta de cuidados de saúde, da organização do setor da saúde, do planeamento e monitorização da prestação de cuidados ou da avaliação do sistema como um todo. Se analisarmos as competências do Médico de Saúde Pública (MSP), é evidente o contributo da economia da saúde para a sua intervenção. No documento “Competências Essenciais ao Exercício do Médico Especialista em Saúde Pública”, do Colégio de Saúde Pública da Ordem dos Médicos, as ciências económicas surgem como uma das disciplinas de saúde pública. Alguns exemplos dos seus contributos incluem:
A realização de uma avaliação económica tem subjacente a existência de uma escolha ou comparação entre duas ou mais opções alternativas que queremos implementar, e analisa-as quer em termos de custos, quer em termos de consequências/outcomes (Drummond, 2015). Consoante o tipo de avaliação económica realizado, podemos comparar outcomes comuns às alternativas em análise (e.g. comparar dois esquemas de quimioterapia para o mesmo tipo de cancro), outcomes diferentes (e.g. faz mais sentido implementar um programa de promoção de educação sexual em escolas ou aumentar o nº de camas de cuidados continuados?) ou até intervenções em saúde com intervenções em outros setores da sociedade. Um estudo importante na área da avaliação económica é o estudo de Neuhauser e Lewicki, 1975, “What do we gain from the sixth stool guaiac?” (O que ganhamos com a sexta amostra no teste de guaiaco?), que surge numa altura em que não havia um protocolo estabelecido para rastreio do cancro do cólon e reto. Sabia-se que a utilização de apenas uma amostra do teste de guaiaco apresentava um valor preditivo negativo baixo, e que a utilização de amostras sequenciais aumentava a sensibilidade do teste, mas não existia consenso sobre qual o número de amostras a colher, ou quais os custos associados. A American Cancer Society defendia um protocolo com 6 amostras sequenciais. O estudo mostrou que o custo marginal aumenta exponencialmente com o número de amostras (Figura 1). Realizar 4 amostras, comparativamente a 3 amostras, está associado a um custo adicional de 470 mil dólares por caso detetado, enquanto a realização da 6ª amostra acarreta um custo adicional de 47 milhões de dólares por caso detetado, comparativamente a realizar 5 amostras. Estes resultados foram orientadores para a definição de um protocolo baseado na colheita de 3 amostras, que ainda é utilizado atualmente. Com a evolução do conhecimento da fisiopatologia das doenças e da capacidade computacional, é possível efetuar AE mais complexas, baseadas em microsimulações de coortes e de caráter probabilístico, que englobam incerteza nos parâmetros em estudo. Um exemplo é a avaliação económica realizada por (Bress, AP, et al., 2017), que compara o controlo standard da tensão arterial (TA objetivo <140mmHg) com uma intervenção em que é efetuado um controlo intensivo (TA objetivo <120mmHg). Os resultados indicam que o controlo intensivo teria uma probabilidade de 51-79% de ser custo-efetivo, para um limiar de custo-efetividade de 50 mil USD por QALY (Figura 2), e 76-93% para um limiar de 100 mil USD por QALY. A interpretação é mais complexa do que no exemplo anterior, mas neste caso é possível retirar muito mais informação da AE e adaptar a contextos específicos. É importante referir que o conceito de avaliação económica pode ser generalizado, de forma que as consequências em análise correspondam aos resultados operacionais dos serviços de saúde, em vez de outcomes em saúde, como exemplificado nos dois artigos acima. Desta forma torna-se possível comparar a custo-efetividade de formas alternativas da organização dos serviços (e.g. diferentes formas de organização das USP para dar resposta a pandemia de COVID-19). Pessoalmente, considero este tipo de investigação pertinente no âmbito do Internato Médico de Saúde Pública e na prática do MSP.
Para terminar, a Economia da Saúde é uma área em expansão, que lida com múltiplos desafios. Alguns que considero potencialmente mais relevantes para a prática do MSP incluem 1) a medição de outcomes em saúde tendo em vista o value-based healthcare (muito sucintamente, um modelo de financiamento em que o pagamento é efetuado com base nos outcomes em saúde, em vez de resultados operacionais ou outras metodologias) e 2) a avaliação de políticas de saúde, pelo papel que os governantes e reguladores terão face às alterações demográficas, que implicarão um foco cada vez maior nos cuidados paliativos e de gestão da doença crónica. Dr. Carlos Matos Médico de Saúde Pública no ACES Espinho/Gaia. Concluiu em 2018 o Internato Médico de Saúde Pública no ACES Porto Oriental sob orientação da Dr.ª Rosa Branca Mansilha.
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Fevereiro 2024
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