14/7/2019 0 Comentários Tabaco e Diabetes – Quando duas epidemias interagem: Riscos ignorados, acção de saúde pública e intervenção clínicaOS FACTOS (1-6)
INTRODUÇÃO O impacto do tabagismo activo nas doenças respiratórias é sobejamente reconhecido. No que respeita às doenças vasculares esse reconhecimento é, regra geral, reduzido ou mesmo nulo (7-8), apesar de ser, reconhecidamente, um dos principais factores de risco prevenível para estas doenças (1). As intervenções de saúde pública são, frequentemente, limitadas utilizando conceitos vagos de díficil compreensão para a população, como “estilos de vida”, “doenças crónicas” ou “literacia”. O mais recente relatório do US Surgeon General de 2014 (1) actualiza este conhecimento e reforça a evidência que o tabagismo activo afecta praticamente todos os orgãos, continuando a lista a crescer. O relatório identifica associações causais com uma longa lista de patologias: degenerescência macular associada à idade, diabetes, cancro colorretal, cancro do fígado, desfechos adversos em doentes e sobreviventes de cancro, tuberculose, disfunção erétil, fendas orofaciais, gravidez ectópica, artrite reumatóide, inflamação e comprometimento da função imunitária. Neste contexto surpreende que na prática este reconhecimento não ocorra e que, habitualmente, no cálculo da mortalidade e morbilidade atribuível ao tabaco não seja incorporada a decorrente do seu impacto na diabetes. Do mesmo modo que entidades com um historial de grande dedicação ao tratamento dos diabéticos afirmam “ a diabetes é tão prevalente que se tornou banal...(9)” a mesma banalização ocorre para com o tabagismo e as suas consequências, nomeadamente as consequências para os diabéticos e o seu impacto na população em geral. A evidência que estes riscos são comunicados adequada e consistentemente à população e aos profissionais de saúde é praticamente inexistente não estando de acordo com a real importância do problema (10-11). ACÇÃO DE SAÚDE PÚBLICA E INTERVENÇÃO CLÍNICA A actual fragmentação das práticas de saúde favorece a inação e a desresponsabilização, não promovendo a capacitação do indivíduo, da comunidade, dos profissionais de saúde e a desejável integração de cuidados. Entre nós é habitual definir as funções do médico de saúde pública baseado-as em procedimentos definidos legalmente. Não obstante, estas funções não se exercem isoladamente devendo ser priveligiada uma abordagem sistémica. Peralta-Santos e Gomes (12) analisam o papel dos médicos de saúde pública nos hospitais e a necessidade de repensar as actividades das unidades de saúde pública nos agrupamentos de centros de saúde e na sua interacção com os cuidados de saúde em geral e com o Serviço Nacional de Saúde. Não deixa de ser surpreendente que, entre nós, os diversos programas de saúde prioritários se remetam, quase exclusivamente, às respectivas patologias, aparelhos ou sistemas, e que a interacção seja, igualmente, limitada centrando-se na prevenção secundária e no tratamento. Uma simples busca das palavras chaves – “diabetes” e “tabaco” ou “tabagismo” ou “cessação tabágica” revela que o programa de prevenção e controlo do tabagismo assinala que o tabaco agrava o risco de diabetes (13), o equivalente programa para as doenças cérebro-cardiovasculares (14) remete a actuação neste domínio para o controlo de factores de risco “específicos” deixando para os programas próprios (tabaco e diabetes) a actuação nesses factores. Quanto ao programa de saúde prioritário para a diabetes (15) não foi possível localizar qualquer referência. O mesmo se passa com os documentos produzidos pelo Observatório Nacional de Diabetes (16) e as recentes recomendações da Sociedade Portuguesa de Diabetes (17). Exceptua-se uma referência, em rodapé, no documento de 2008 do Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Diabetes (18) no qual se enuncia a estratégia E8: – “Promover a avaliação da qualidade clínica do seguimento da pessoa com diabetes nos cuidados de saúde primários, nomeadamente em matéria de registos individuais e prescrição terapêutica.” A referida nota de rodapé enuncia as “Metas preventivas e terapêuticas orientadoras”....assinalando “Cessação tabágica: obrigatória”. No entanto na secção VII – Risco acrescido de desenvolvimento de diabetes” não existe qualquer referência ao consumo de tabaco. Como se depreende, no domínio da interação entre duas epidemias de gravíssimas consequências sociais e económicas, o estado da arte em todos os aspectos da prática profissional, desde a prevenção primária à prevenção das complicações e tratamento, é muitíssimo precária. RECOMENDAÇÕES Neste contexto faz sentido recuperar o conceito de “serviços de saúde pública essenciais” e como eles devem abordar, igualmente, os determinantes sociais da saúde. O CDC descreve os 10 Serviços Essenciais de Saúde Pública (19) e as atividades de saúde pública que todas as comunidades devem realizar e que, inequivocamente deveriam ser aplicados à prevenção e controlo destas epidemias, independentemente da área de actuação predominante dos diversos profissionais e serviços de saúde, os quais recordamos em seguida: 1. Monitorizar o estado de saúde para identificar e resolver problemas de saúde da comunidade 2. Diagnosticar e investigar problemas de saúde e riscos à saúde na comunidade 3. Informar, educar e capacitar as pessoas sobre problemas de saúde 4. Mobilizar parcerias comunitárias e ações para identificar e resolver problemas de saúde 5. Desenvolver políticas e planos que apoiem os esforços de saúde individual e comunitária 6. Reforçar as leis e regulamentos que protegem a saúde e garantem a segurança 7. Ligar as pessoas aos serviços de saúde pessoais necessários, garantindo a prestação de cuidados de saúde quando de outra forma não estiverem disponíveis 8. Assegurar a existência de uma força de trabalho de saúde pública e de outro pessoal de saúde competentes 9. Avaliar a efectividade, acessibilidade e qualidade dos serviços de saúde pessoais e de base populacional 10. Promover a investigação de novos abordagens e soluções inovadoras para os problemas de saúde Como se depreende os serviços de saúde pública têm um papel determinante no desenvolvimento, acompanhamento, orientação e avaliação destas funções e actividades. Assim, tendo em vista a prevenção e controlo integrado das epidemias de diabetes, doenças vasculares e tabagismo, consideramos essencial desenvolver uma forte e obrigatória ligação / referenciação entre a consultas de diabetes e as consultas de cessação tabágica. Neste contexto os cuidados de saúde primários e os planos de saúde dos diversos níveis de prestação de cuidados tem um papel decisivo. O registo sistemático e regular dos hábitos tabágicos dos utentes bem como a informação decorrente de uma entrevista motivacional são, como anteriormente foi explicitado, componentes essenciais da prevenção, controlo e avaliação da efectividade das actuações. Toda a consulta de diabetes deverá constituir uma oportunidade imperdível de proceder a intervenções breves em tabagismo em todos os diabéticos e pré-diabéticos utilizando as estratégias habitualmente designadas por 5As e 5Rs (20). Foi objectivo deste trabalho estimular a acção de saúde pública para a importância da sua actuação promovendo as iniciativas que se possam traduzir em mais saber, melhor acção, melhor prevenção. José M. Calheiros, MD, MPH, PhD
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Fevereiro 2024
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