A obra As Leis do Contágio – Como surgem e desaparecem os fenómenos virais, transcende o previsível contágio por vírus causadores de doenças infeciosas, abordando temas como o sistema financeiro, a propagação da obesidade e da violência, as notícias falsas e os vírus informáticos. São várias as incursões históricas que o autor vai introduzindo: destaca-se a descoberta de que a malária é transmitida por mosquitos e o desenvolvimento dos primeiros modelos matemáticos para controlo da propagação desta doença, no final do século XIX, que valeu o Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina em 1902 a Ronald Ross, médico cirurgião britânico. A sua teoria demonstrou como examinar a dinâmica das epidemias, através de uma abordagem mecanicista, que tinha em consideração o modo de transmissão da doença, as medidas de controlo que poderiam ser implementadas e a suscetibilidade da população a essa infeção, sendo utilizada para prever como cada um destes fatores poderia influenciar o número de casos. Apesar de, tipicamente, associarmos o contágio às chamadas “doenças transmissíveis”, estudos recentes têm demonstrado existir disseminação de outras doenças e comportamentos humanos, tais como o bocejo, a felicidade, o divórcio, a solidão e a obesidade. Costumam ser dadas três razões para explicar porque partilhamos várias caraterísticas com as pessoas que nos são mais próximas. Uma é que tal se pode dever ao ambiente; outra é que nos relacionamos com pessoas que, à partida, já são semelhantes a nós: este comportamento denomina-se homofilia. A terceira hipótese é a do contágio social, ou seja, somos influenciados por quem nos rodeia. O contágio social é um tipo de contágio complexo, em que são necessárias várias exposições a diferentes pessoas com determinado comportamento para que a transmissão ocorra, ao contrário do que costuma acontecer com as doenças infeciosas. Também nas redes sociais se pode assistir ao desenvolvimento de “surtos” de informação ou de desinformação, que estão dependentes de vários fatores. Pode aliar-se o conceito de influenciador ao de superdisseminação: sabe-se que, para doenças como o VIH e a malária, 20% dos casos são responsáveis por cerca de 80% da transmissão. Ainda assim, são proporcionalmente poucos os conteúdos que se tornam virais na internet, e é difícil prever se tal vai acontecer. Fazendo um paralelo entre a propagação de uma infeção e de uma notícia falsa, esta última parece propagar-se numa área muito maior e de forma muito mais célere do que as notícias verdadeiras, não porque existam mais oportunidades de propagação, mas porque a probabilidade de transmissão em cada uma dessas oportunidades é superior, possivelmente devido ao fator novidade. Ao contrário do que possamos pensar, a vasta maioria dos artigos de notícias falsas não são publicados em websites de origem duvidosa, mas sim por fontes de confiança. O que acontece é que manipuladores online utilizam bots de redes sociais, muitas vezes dirigidos a alvos específicos, para difundir tweets falsos. O objetivo é chegar a jornalistas ou a políticos, que irão funcionar como ampliadores dessa história falsa, fazendo com que esta ganhe credibilidade, chegando a uma vasta audiência. Para isto também contribui o efeito de feedback da imprensa: quando uma notícia é divulgada por um meio de comunicação social, vários outros se lhe seguem. Deste modo, as redes sociais permitem aumentar a eficiência da transmissão. Segundo um estudo que pretendia efetuar uma comparação da prevalência de conteúdo de baixa credibilidade relacionado com a pandemia de COVID-19, entre as plataformas Twitter e Facebook, as contas automatizadas não parecem ter um grande papel na disseminação de conteúdo duvidoso, sendo as fontes oficiais as principais responsáveis pela infodemia, havendo inclusive uma coordenação entre diferentes contas, em ambas as plataformas. Como se pode, então, travar a propagação de uma notícia falsa? Tal como na transmissão de uma doença infeciosa, vários fatores estão implicados, e o encurtamento do tempo de reação desde a origem do surto é fundamental. Tal como a imunização ativa tem sido utilizada no combate à pandemia de COVID-19, também a imunização psicológica pode ser utilizada como uma arma na luta contra a infodemia. “Um dos maiores desafios da Saúde Pública é convencer as pessoas”, tal como é citado no livro, e a comunicação é uma das competências essenciais do médico de Saúde Pública, constituindo uma ferramenta fundamental no combate à desinformação. Autoria Filipa Gomes Edição Joana Silva “Tackling harmful content will have a direct effect – preventing a person from seeing it – as well as an indirect effect, preventing them spreading it to others.”
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30/6/2022 0 Comentários FACTFULNESS Factfulness não é apenas um livro, mas sim uma ferramenta de apoio na tomada de decisão, podendo ser utilizada tanto no setor da saúde, como no setor económico e empresarial.
Após anos de experiência em locais diversos do planeta, Hans mostra-se perplexo perante o facto de todos nós termos uma perceção enviesada do Mundo – achamos que o Mundo está pior do que aquilo que ele, realmente, está. Para o autor, devemos ter uma visão real do Mundo para nele podermos navegar. Ataques terroristas, alterações climáticas, guerras, doenças, perda de biodiversidade. Todos os dias nos deparamos com notícias chocantes de eventos trágicos. Raramente são noticiados os avanços lentos e estáveis da Humanidade, o que molda a forma como entendemos essa mesma realidade. Ao longo do livro, Hans Rosling apresenta-nos 10 instintos que nos levam a ter uma visão global dramática do Mundo, sugerindo-nos, em contrapartida, métodos práticos para os ultrapassarmos:
Factfulness é, na realidade, um livro de saúde pública dirigido à população geral. É intemporal pela abordagem proposta relativamente ao posicionamento perante problemas. Esta metodologia poderá ser adaptada a diversos contextos de saúde, tanto a nível global, nacional, local, comunitário ou individual, auxiliando na sua priorização. A leitura deste livro na era COVID-19 assume especial interesse. Crises globais envolvem a necessidade de uma vigilância apertada e uma agregação de dados em tempo real para uma permanente interpretação da realidade. A priorização assume, nos dias de hoje, uma importância redobrada. Torna-se mais evidente a necessidade de medir eventos, de alocar e mobilizar adequadamente recursos. Contudo, a Saúde Pública global não pode ficar presa à pandemia, havendo necessidade permanente de reavaliação e realinhamento. Reconhecer os instintos que nos podem turvar a visão da realidade é o primeiro passo. Factfulness deverá ser visto como uma ferramenta no processo de priorização e decisão, que assume especial relevo para o exercício da Saúde Pública num Mundo em permanente evolução. Autoria Joana Roque Edição Joana Silva Revisão Filipa Gomes The International Bank for Reconstruction and Development World Bank Oxford University Press, 1993 348 pp., Paperback EUR 6,68€ ISBN: 0-19-620890-0 Available here The World Development Report (WDR) is a report presented by the World Bank. The World Bank is an international financial institution that provides loans to governments of developing countries, and that started focusing early on people’s basic needs and global public health. This edition of the WDR addresses the relation between health and economy and the issues around how investing in health in developing countries should be done. Starting with an analysis of the global health situation, the WDR recognizes that although there are substantial improvements in health in the last decades, there are still considerable public health problems that constitute a heavy burden for households, slowing the overall economic development. It considers that the magnitude of these problems is due to internal issues in health systems. First, there is an excessive use of public funds for tertiary rather than primary services. Second, there is an iniquity in distribution of resources - the poorest have a higher burden of disease and worse access to health services. Third, the inefficiency of health services is high and is due to the lack of adequate information systems, lack of planning capacity and inefficient use of overall resources. Fourth, there has been an increase in health costs in recent years, partly due to the increase in professionals and technological innovation and lack of regulation of the health market. The Report's authors argue that governments should play a central role in the regulation of the health market as health is a common good and the private sector cannot be expected to produce this good. Since the main issue with health in developing countries lies with the availability of a bigger budget, the WDR stresses the usefulness of a cost-effectiveness analysis in planning health services, suggesting several strategies. First, public spending and economic policies should prioritize the poorest and favour equity. Also, health expenditures should be concentrated on cost-effective interventions, redirected from specialized care to primary and preventive services (such as immunization programs, HIV prevention and pre-natal and maternal care), improving efficiency. Non-cost-effective interventions must be reduced (for example, cardiac surgery, premature advanced care or AIDS medication) in order to liberate investment for cost-effective interventions. Governments should increase the training of health professionals, particularly midwives and nurses, as well as postgraduate training in public health, planning and administration – since less cost-effective interventions should be reduced, there’s no need for an investment in too many specialists. Three other measures could be taken: decentralization, reinforcement of information systems and research. Despite the controversy, linked to short-term negative impact of these programs, the WDR argues for a long-term positive impact on public health, as long as no cuts are made to essential social services. For this, the WDR argues that external aid should be better coordinated and that recipient governments should be better able to make choices for the use of aid funds. The Report tackles issues still relevant to the health sector all around the globe, but more prominent in developing countries. It was also an innovative report: it popularized the use of DALY as a methodology to assess the cost-effectiveness of health interventions, and it already tackled the problem of a global crisis of antibiotic resistance. However, at the same time, it was controversial on many points. First, it encouraged the use of the private sector as a provider of services, despite the evidence that such methods decrease the uptake of services. Second, it creates a climate where high levels of lending are deemed to be good. Third, it raises some concerns on the capability of developing countries adapting and adopting these approaches and on how indigenous populations are disregarded in some analysis. Fourth and biggest controversy is on the lack of evidence for some of the health policies that are suggested, since it was written before systematic reviews. But despite the criticism that may be made on the 1993 WDR, it doesn’t take away the importance of this document and its role in tackling the idea that investing in health should be, overall, planned and cost-effective. Autoria Teresa Garcia Edição Joana Silva Referências bibliográficas 1. Abbasi K. The World Bank on world health: under fire. BMJ. 1999;318(7189):1003-1006. 2. Mawdsley E., Rigg J. The World Development Report II: continuity and change in development orthodoxies. Sage Journals. 2003 Out;3(4):271-286 Caroline Criado Perez London, Vintage Publishing, 2020 432 pp., Paperback £9.99 / EUR 12.99 ISBN: 978-17847-0628-9 Na última década, têm sido descritas na literatura iniquidades em saúde relacionadas com o género. (1-4) Há muitas doenças que afetam as mulheres de modo desproporcional relativamente aos homens, sendo que a maioria dos estudos se foca em grupos mistos, sem desagregar os dados por género. A existência de dados desagregados por género poderia fornecer pistas sobre os determinantes de saúde relacionados com essas doenças, de modo a poder orientar a ação através do desenho de intervenções adaptadas à realidade. (1) Alguns estudos de Sociologia revelam diferenças na saúde das mulheres, atribuíveis aos diferentes contextos socioculturais, apoio social e estilos de vida, para além de diferenças estruturais e organizacionais da sociedade. (2) Tal afeta as mulheres em todos os níveis, constituindo um problema sistémico que leva, inevitavelmente, a outcomes mais desfavoráveis em saúde. Esta é uma das principais questões que este livro foca. Ao longo do livro, é patente que a ausência de dados desagregados por género contribui, em grande parte, para este problema, servindo para acentuar as iniquidades atribuídas ao género, ao longo dos tempos. A estas iniquidades estão, inevitavelmente, associadas consequências diretas e indiretas, desde as mais ligeiras às que contribuem para a mortalidade, culminando na perpetuação dos estigmas e papéis da mulher na sociedade, alimentando este ciclo vicioso. Invisible Women apresenta uma primeira exposição: os dados da espécie humana focam-se essencialmente no género masculino. Uma série de assunções tidas como verdadeiras sobre o homem é generalizada para a espécie, enaltecendo os papéis sociais do homem em detrimento dos da mulher, que fica relegada para segundo plano. Com efeito, existem poucos dados sobre a mulher e o seu papel ao longo dos tempos, o que acaba por prejudicar as mulheres, quer no papel que assumem na sociedade, quer nas políticas que as afetam, trazendo, inexoravelmente, malefícios para a sua saúde. O livro está dividido em seis partes. Na primeira parte, o livro aborda questões gerais relacionadas com a vivência em sociedade, incluindo transportes e espaços públicos. Um aspeto que se destaca é a localização e ausência de iluminação das paragens dos variados meios de transporte, assim como nas vias públicas, fatores que afetam as mulheres e que aumentam o medo de serem abordadas e violadas sexualmente à noite. Relativamente aos transportes, uma questão abordada nesta parte refere-se às rotas criadas nestes meios, que muitas vezes são pensadas de acordo com as necessidades dos homens trabalhadores e que não têm em conta as rotas e desvios necessários para os diferentes serviços relacionados com supermercados e escolas. Uma outra questão levantada prende-se com as casas de banho nos variados estabelecimentos. Estas estão construídas igualmente entre os dois sexos mas não equitativamente, uma vez que as mulheres, geralmente, demoram mais nas mesmas devido à diferença no aparelho urinário, o que gera filas de espera para o seu uso, maior incómodo para as mulheres e, possivelmente, consequências a nível de infeções urinárias e, a longo prazo, de incontinência urinária. Para além disso, é exemplificado um aspeto relativo aos países nórdicos que afeta mais a saúde das mulheres. Nas estações mais frias, quando há neve, é necessário proceder à sua limpeza, de modo a evitar acidentes rodoviários. A sua limpeza limita-se frequentemente às estradas em si, descurando as bermas e os passeios. Ora, verificou-se que a maioria dos acidentes nesta época ocorrem por escorregamento não na faixa rodoviária, mas nos passeios, sendo as mulheres as mais afetadas. Uma mudança na política de limpeza para abranger os passeios levou a uma diminuição drástica de acidentes, com especial impacto nas mulheres, demonstrando a importância de analisar os dados existentes. Na segunda parte, a autora relata questões relacionadas com o trabalho e rendimento, com base nos dados existentes. Aborda não só a disparidade em termos de rendimento (gender pay gap), mas também o recrutamento e o trabalho não remunerado realizado pelo género feminino, como o trabalho doméstico e de cuidadora informal. Para além disso, destaca o facto destas questões não permitirem a evolução na carreira (quando esta existe), muitas vezes favorecendo o homem caucasiano em detrimento da mulher. Isto leva a que as mulheres cheguem ao final da vida com um menor rendimento e, consequentemente, uma menor reforma, o que poderá afetar a capacidade de pagamento de medicação numa idade mais avançada, afetando a sua saúde. Por outro lado, nas áreas de trabalho predominantemente femininas, o enfoque na mulher perde-se: faltam dados para compreender as consequências dos efeitos a nível ocupacional, incluindo a exposição a compostos tóxicos e violência no trabalho. Em particular, destaca-se a exposição em salões de manicure a disruptores endócrinos, como o bisfenol-A (ou BPA), que, por se assemelhar ao estrogénio, pode influenciar o aparecimento de malformações durante a gravidez e de doenças endócrinas, como a diabetes mellitus. (5). O problema prende-se, porém, com a falta de dados relativamente ao impacto destes componentes nas mulheres que, devido às suas especificidades fisiológicas, irão tolerar diferentes níveis de exposição e terão efeitos diferentes dos geralmente enunciados para o ser humano. A parte três realça o design dos produtos que utilizamos no quotidiano, e como isto influencia as mulheres negativamente. Em primeiro lugar, refere a produção de materiais adaptado ao homem, e não à mulher. Exemplifica este problema através da produção de telemóveis iPhone® e de pianos, ambos produzidos para o tamanho das mãos do homem, numa perspetiva de “um só tamanho”, descurando as características e estatura do género feminino. Na mesma lógica, expõe ainda a problemática do tamanho dos assentos do carro, que apresentam uma distância superior para os pedais nas mulheres, o que leva a que se aproximem mais do volante, aumentando a probabilidade de lesões e morte em caso de acidentes rodoviários. Portanto, torna-se importante construir e desenhar de raiz todos os produtos e bens tendo em atenção as características da mulher, principalmente numa perspetiva de equidade, de modo a evitar consequências negativas na saúde e na vida das mulheres. Na parte quatro, são focadas as especificidades do corpo da mulher. Nem mesmo a medicina o conhece tão bem para o tratar devidamente. Esta desconsideração da parte da classe médica custou a saúde de muitas mulheres ao longo do tempo, devido a diagnósticos não efetuados na apresentação inicial da doença – como casos de dor pélvica crónica, diagnosticada inicialmente como associada à menstruação, mas que na realidade se trataria de endometriose, com impacto elevado na qualidade de vida da mulher. (6) Nas partes cinco e seis, a autora debruça-se sobre os aspetos económicos, relacionados com o trabalho não pago realizado pelas mulheres e não contabilizado no produto interno bruto de um país. Destaca ainda que estes são agravados por aspetos contextuais de pandemias e desastres naturais. Refere, por fim, a importância das mulheres na liderança, de forma a ecoar os problemas e necessidades das mulheres e implementar medidas e políticas que tenham em consideração a discrepância relativamente aos homens. Ao destacar as disparidades associadas ao género, a autora dá luz aos vários problemas que afetam a mulher no seu dia-a-dia e que, direta ou indiretamente, poderão influenciar a saúde da mulher e o aumento da carga de doença. O livro foi publicado há dois anos, porém, o tópico apresentado mantém-se relevante, principalmente devido à inércia existente em todos os setores, seja na recolha, na análise ou na integração de informação relativa às mulheres. Pouco foi feito neste período de tempo para corrigir os problemas apresentados ao longo do livro, apesar de todos os argumentos referidos. Dada a extrema relevância do tópico abordado na obra, recomenda-se a sua leitura a toda a população, mas principalmente legisladores, políticos, gestores, profissionais de saúde, investigadores, arquitetos e designers. Uma crítica geralmente levantada à autora está relacionada com a referenciação de trabalhos de dissertação, apresentações em conferências e relatórios internos, porém este livro acaba por apresentar uma visão mais global ao incorporar não só o que é publicado, mas também o que permanece por publicar, o que poderá contribuir para diminuir o “viés de publicação”, reconhecido na investigação epidemiológica. Dada a diferença entre géneros nas diversas áreas evidenciadas nesta obra, é clara a necessidade de considerar o género como um conceito dinâmico, contendo vários níveis, e que interfere nos papéis sociais. (7) A obtenção de dados desagregados permitirá criar novas políticas e moldar as já existentes, numa sociedade que ainda muito tem para evoluir. Autoria José Chen Edição Filipa Gomes Referências bibliográficas 1. Clayton JA, Davis AF. Sex/gender disparities and women's eye health. Curr Eye Res. 2015;40(2):102-9. 2. Ostrowska A. Health inequalities--gender perspective. Przegl Lek. 2012;69(2):61-6. 3. Palencia L, De Moortel D, Artazcoz L, Salvador-Piedrafita M, Puig-Barrachina V, Hagqvist E, et al. Gender Policies and Gender Inequalities in Health in Europe: Results of the SOPHIE Project. Int J Health Serv. 2017;47(1):61-82. 4. Salk RH, Hyde JS, Abramson LY. Gender differences in depression in representative national samples: Meta-analyses of diagnoses and symptoms. Psychol Bull. 2017;143(8):783-822. 5. Ribeiro E, Ladeira C, Viegas S. EDCs Mixtures: A Stealthy Hazard for Human Health? Toxics. 2017;5(1). 6. Bontempo AC, Mikesell L. Patient perceptions of misdiagnosis of endometriosis: results from an online national survey. Diagnosis (Berl). 2020;7(2):97-106. 7. Mollborn S, Lawrence EM, Hummer RA. A gender framework for understanding health lifestyles. Soc Sci Med. 2020;265:113182. 17/12/2021 0 Comentários Ser mortal Atul Gawande / Lua de Papel New York, Picador USA, 2014 272 p., Paperback EUR 16.50 ISBN: 9789892330198 Ser mortal é um livro escrito por um cirurgião, escritor e investigador na área de Saúde Pública – Atul Gawande – que trata algumas das questões mais importantes na compreensão do ser humano e do seu ciclo de vida.
Enquanto médico-escritor, Gawande descreve de forma detalhada, científica e precisa, alguns episódios da sua prática clínica e experiência de vida, tocando em pontos filosóficos e éticos da experiência humana, “assoprando”, escreve João Lobo Antunes, “à vida real nas matérias da mais sisuda gravidade”. Posto isto, o principal tema do livro é um assunto difícil de conceber: a mortalidade da condição humana. O peso que carregamos como condenação inevitável da passagem do tempo é um dos temas mais sisudos e graves com os quais, impreterivelmente, teremos que lidar. A fragilidade associada ao envelhecimento, à doença grave e ao aproximar da morte são as principais questões tratadas nesta obra, sendo estas muitas vezes ignoradas não só pela população em geral, mas também pelos médicos e restantes profissionais de saúde. Apesar do contacto quase diário com estes dilemas, estes profissionais, muitas vezes, encaram-nos de forma leviana. No entanto, talvez esta desvalorização do problema possa ser interpretada como um mecanismo de “coping”, motivado pela constante exposição às temáticas referidas. Gawande faz um apelo para uma reflexão sobre a mudança de filosofia associada aos cuidados de saúde, necessária para que nos possamos tornar capazes de lidar com esta fase do ciclo de vida. A procura incessante pelo tratamento e sobrevivência faz com que a abordagem do pessoal médico não tenha como foco principal a melhoria do bem-estar dos doentes, dos seus familiares diretos e cuidadores. Com esta inversão de prioridades da qualidade para a quantidade, os cuidados prestados são, frequentemente, inadequados às verdadeiras necessidades e desejos dos nossos doentes. A abordagem deste tema, que tem tanto de natural como de delicado, é feita, pelo autor, de uma forma direta, mas com muito tato. Através de vários exemplos, este demonstra como uma abordagem refletida leva a um maior nível de satisfação e sensação de paz tanto por parte dos indivíduos (a envelhecer ou em fase terminal), como pela sua família e amigos. A falta de uma comunicação clara sobre os verdadeiros desejos dos idosos ou doentes terminais desencadeia angústia nos familiares, que se sentem incapazes de tomar decisões. Assim, devido à falta de discussão destes problemas entre o seio familiar e a equipa responsável pelos cuidados, os doentes acabam por sofrer intervenções desnecessárias e que em pouco ou nada contribuem para a melhoria da sua qualidade de vida e independência. Muitas vezes, o oposto do desejado acontece, e apenas se prolonga o sofrimento que, invariavelmente, culmina na morte. Na primeira parte do livro, o autor foca-se no envelhecimento, abordando diferentes modelos de cuidados, tais como habitações multigeracionais e lares com assistência nas tarefas domésticas e cuidados de saúde. Nestes, os seus residentes mantêm a sua independência, sendo que cada modelo apresenta os respetivos prós e contras para o idoso e para a sua família. Nesta obra, há uma descrição exata de como o envelhecimento altera o nosso corpo e a sua funcionalidade, que nos toma de surpresa e que nos invoca uma sensação de impotência. Esta sensação está, irrevogavelmente, ligada à nossa independência, mesmo depois de perdermos algumas das nossas capacidades. A dignificação do envelhecimento deve ter como foco primário o ponto de vista do idoso e não do cuidador ou do pessoal médico. Este ponto de vista é-nos transmitido, de forma brilhante, pelo autor do livro, que entrevistou vários idosos, dando-lhes a oportunidade de se expressarem sobre como gostariam que os cuidados lhes fossem prestados. Embora os lares de idosos sejam extremamente seguros, o autor apresenta como contra-argumento que esta segurança apenas serve para salvaguardar os interesses dos prestadores de cuidados e dos familiares dos utentes, porque uma vida com a máxima segurança não é o tipo de vida a que maioria das pessoas aspira. Depois desta observação, o autor tenta encontrar modelos que procurem trazer significado, independência e autonomia à vida dos residentes em lar, mesmo dos mais frágeis, dando exemplos de projetos nos quais se optou pela introdução de animais de estimação ou crianças no seu convívio regular. Apesar disto, poucas soluções são apresentadas para pessoas com demência ou com limitações da capacidade cognitiva. Ainda nesta secção, é brevemente abordada a possibilidade de oferecer cuidados a doentes terminais através do internamento domiciliário, onde estes podem viver os seus dias finais no seu próprio lar, rodeados por entes queridos e com o maior conforto possível. Neste contexto, o autor apresenta vários exemplos de como a aceitação e compreensão da morte iminente poderão acrescentar qualidade aos nossos últimos dias. Na segunda parte do livro, o autor refuta o paradigma médico do tratamento a todo o custo, independentemente daquilo que faz mais sentido para os doentes, cujas prioridades, muitas vezes, “ultrapassam o simples prolongar da sua vida”. Baseando-se em artigos de estudos de caso, Gawande dá exemplos de exceções em relação à esperança média de vida de um doente terminal. O autor faz ainda algumas comparações quanto à proporção de mortes que ocorre no próprio lar vs. em contexto de cuidados de saúde, extrapolando resultados que, dificilmente, têm validade interna e externa. Na parte final do livro, o autor discute a problemática da eutanásia e a forma como o “suicídio assistido” praticado nos Países Baixos é uma forma de derrota do sistema de saúde, que deveria melhorar a qualidade do final de vida e não tentar encurtar o sofrimento através da morte. No livro, segue-se a discussão sobre o facto de não serem oferecidas alternativas à eutanásia, que poderia deixar de ser uma opção, caso o sistema de saúde oferecesse cuidados paliativos adequados às necessidades da população. Através de uma analogia com a história do seu pai, Gawande faz um paralelo sobre a decisão partilhada das questões sobre o final de vida, onde dirige aos médicos um desafio: o de ajudar os doentes a interpretar o que será melhor para eles, tendo por base as suas prioridades, ao invés das abordagens paternalistas ou informativas que são utilizadas com frequência. O livro Ser mortal oferece uma perspetiva detalhada do declínio das funções humanas, sem, no entanto, apresentar soluções perfeitas para lidarmos com o mesmo. Ainda assim, este livro surge como uma lufada de ar fresco num problema tão difícil de lidar e sobre o qual o nosso entendimento é limitado. Assim, o que este livro nos proporciona é a possibilidade de discussão dum tema tão atual quanto intemporal, de uma forma simples e concreta. A devolução de poder ao idoso ou paciente terminal propõe uma abordagem pragmática deste assunto grave e incontornável, tanto a cuidadores como a médicos. Esta é uma leitura obrigatória para todos aqueles que querem dar o melhor final de vida possível aos seus doentes ou familiares. Autoria Joana Maia Edição Filipa Gomes |
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