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15/10/2025 0 Comentários CANDIDOZYMA AURISecdc emite alertA SOBRE A RÁPIDA DISSEMINAÇÃO DE CANDIDOZYMA AURISDurante grande parte da história recente da medicina, as infeções fúngicas foram consideradas uma causa relativamente rara de doença clinicamente relevante, face ao protagonismo das infeções bacterianas e virais. A partir da segunda metade do século XX, e de forma mais marcada com a epidemia de VIH/SIDA, as infeções fúngicas invasivas oportunistas em doentes imunocomprometidos ganharam visibilidade e motivaram maior vigilância e investigação epidemiológica.(1) Essa atenção transbordou também para a cultura popular, basta lembrar a série “The Last of Us”, baseada no jogo homónimo. Mas a ameaça é bem real: em setembro de 2025, o European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) divulgou um alerta para a rápida disseminação, em hospitais europeus, de Candidozyma auris (anteriormente Candida auris), frequentemente resistente a vários antifúngicos, associada a infeções graves em doentes críticos.(2,3) Mas para prevenir e responder a surtos, há uma pergunta que se impõe: afinal, o que é o Candidozyma auris? O que é o C.auris?O nome desta levedura vem do latim auris (“orelha”), porque foi inicialmente isolada numa otite média de um doente no Japão, em 2009.(4,5) Desde então, Candidozyma auris tem sido ligada a várias formas de doença, incluindo candidemia, infeções do trato urogenital e respiratório, infeções do sistema nervoso central. (4) Candidozyma auris integra o grupo “crítico” da Lista de Patogénios Fúngicos Prioritários da Organização Mundial de Saúde (OMS), criada para orientar a ação de saúde pública, a investigação e o desenvolvimento. A espécie destaca-se pela resistência frequente ao fluconazol, sendo as equinocandinas o tratamento de primeira linha nas infeções invasivas, embora o risco de falha terapêutica e recaída seja maior do que noutras espécies de Candida. A mortalidade reportada na candidemia por C. auris situa-se, em síntese de vários estudos, entre 29% e 62% (valores condicionados pela gravidade e comorbilidades dos doentes afetados). (4,6) Em termos de fatores de virulência, C. auris mostra resiliência intrínseca, permitindo a colonização rápida da pele de doentes e persistência em superfícies e equipamentos, o que por sua vez contribui para o surgimento de surtos prolongados em contexto hospitalar. Tal como a Candida albicans, a C. auris produz vários fatores de virulência reconhecidos, como as proteases aspartílicas secretadas (Saps) e as lípases, que facilitam a invasão e degradação tecidual. De forma mais geral, características como a aderência, a formação de biofilme, a atividade hemolítica e a produção de enzimas (fosfolipases e proteinases) têm sido implicadas na patogenicidade das espécies de Candida, favorecendo infeções fúngicas invasivas. Em particular, a formação de biofilme constitui uma estratégia de sobrevivência que permite às células resistir a concentrações de antifúngicos muito superiores às necessárias para eliminar células livres.(4) Linha temporal e situação atual Os primeiros relatos de C. auris surgiram em 2009, no Japão. No entanto, análises retrospetivas acabariam por detetá-la, em casos isolados, em amostras de anos anteriores nalguns países (2,3,6). Entre 2013 e 2023, os países da UE/EEE reportaram 4 012 casos de colonização ou infeção por C. auris; só em 2023 foram 1 346 casos em 18 países (Figura 1). Os cinco países com mais casos acumulados foram Espanha, Grécia, Itália, Roménia e Alemanha (6). À luz destes números, o mapa de 2023 mostra duas realidades: Chipre, França e Alemanha notificaram surtos pontuais; já a Grécia, Itália, Roménia e Espanha reportaram endemicidade regional ou nacional, o que dificulta a distinção de surtos delimitados e evidencia a rapidez da disseminação hospitalar (Figura 2). Ainda assim, alguns países têm conseguido conter a transmissão e evitar a sua propagação sustentada. Figura 2. Fase epidemiológica da disseminação de Candidozyma auris: A) países da UE/EEE, 2022 (n=30); B) países da UE/EEE e países de alargamento da UE, 2024 (n=36). Legenda: Estádio 0: não foram detetados casos de infeção ou colonização; Estádio 1: apenas foram detetados casos importados; Estádio 2: apenas foram detetados casos esporádicos adquiridos localmente ou de origem desconhecida; Estádio 3: ocorreram surtos esporádicos, sem disseminação entre instituições de saúde ou apenas com disseminação limitada; Estádio 4: ocorreram múltiplos surtos com disseminação interinstitucional verificada ou plausível; Estádio 5: C. auris é endémica em partes do país (disseminação regional). Este retrato epidemiológico não se traduz, porém, numa preparação homogénea. Segundo o inquérito do ECDC realizado em junho de 2024, apenas 17 dos 36 países referiram dispor de um sistema de vigilância para C. auris e só 15 reportaram orientações nacionais específicas de prevenção e controlo de infeções (6). Conclusão Em síntese, a emergência de C. auris expõe fragilidades estruturais na vigilância e no controlo de infeção, com a Europa dividida entre surtos delimitados, provavelmente subnotificados, e áreas já com endemicidade. Há, contudo, sinais encorajadores: onde se combina deteção precoce, rastreio dirigido e medidas rigorosas de prevenção e controlo de infeções, a transmissão tem sido contida.
Redigido por Francisco Aparício Revisto por Cláudia Roseira e João Pinheiro Bibliografia 1. Seagle EE, Williams SL, Chiller TM. Recent Trends in the Epidemiology of Fungal Infections. Infect Dis Clin North Am. junho de 2021;35(2):237–60. 2. euronews [Internet]. 12:56:23 +02:00 [citado 26 de setembro de 2025]. Fungo resistente a medicamentos propaga-se nos hospitais europeus. Disponível em: http://pt.euronews.com/saude/2025/09/11/fungo-resistente-a-desinfetantes-esta-a-propagar-se-rapidamente-nos-hospitais-europeus-ale 3. Lusa. PÚBLICO. 2025 [citado 26 de setembro de 2025]. Fungo resistente a medicamentos com propagação rápida nos hospitais europeus. Disponível em: https://www.publico.pt/2025/09/11/ciencia/noticia/fungo-resistente-medicamentos-propagacao-rapida-hospitais-europeus-2146817 4. Ahmed F, El-Kholy IM, Abdou DAM, El-Mehalawy AA, Elkady NA. Epidemiological and microbiological characterization of Candidozyma auris (Candida auris) isolates from a tertiary hospital in Cairo, Egypt: an 18-month study. Sci Rep. 12 de setembro de 2025;15(1):32427. 5. Samora MAO. A emergência de Candida auris como agente patogénico multirresistente responsável por surtos de infeção nosocomial [Internet] [masterThesis]. 2019 [citado 26 de setembro de 2025]. Disponível em: https://repositorio.ulisboa.pt/handle/10451/43394 6. European Centre for Disease Prevention and Control. Survey on the epidemiological situation, laboratory capacity and preparedness for Candidozyma (Candida) auris, 2024. [Internet]. LU: Publications Office; 2025 [citado 24 de setembro de 2025]. Disponível em: https://data.europa.eu/doi/10.2900/2025052
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