A obra As Leis do Contágio – Como surgem e desaparecem os fenómenos virais, transcende o previsível contágio por vírus causadores de doenças infeciosas, abordando temas como o sistema financeiro, a propagação da obesidade e da violência, as notícias falsas e os vírus informáticos. São várias as incursões históricas que o autor vai introduzindo: destaca-se a descoberta de que a malária é transmitida por mosquitos e o desenvolvimento dos primeiros modelos matemáticos para controlo da propagação desta doença, no final do século XIX, que valeu o Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina em 1902 a Ronald Ross, médico cirurgião britânico. A sua teoria demonstrou como examinar a dinâmica das epidemias, através de uma abordagem mecanicista, que tinha em consideração o modo de transmissão da doença, as medidas de controlo que poderiam ser implementadas e a suscetibilidade da população a essa infeção, sendo utilizada para prever como cada um destes fatores poderia influenciar o número de casos. Apesar de, tipicamente, associarmos o contágio às chamadas “doenças transmissíveis”, estudos recentes têm demonstrado existir disseminação de outras doenças e comportamentos humanos, tais como o bocejo, a felicidade, o divórcio, a solidão e a obesidade. Costumam ser dadas três razões para explicar porque partilhamos várias caraterísticas com as pessoas que nos são mais próximas. Uma é que tal se pode dever ao ambiente; outra é que nos relacionamos com pessoas que, à partida, já são semelhantes a nós: este comportamento denomina-se homofilia. A terceira hipótese é a do contágio social, ou seja, somos influenciados por quem nos rodeia. O contágio social é um tipo de contágio complexo, em que são necessárias várias exposições a diferentes pessoas com determinado comportamento para que a transmissão ocorra, ao contrário do que costuma acontecer com as doenças infeciosas. Também nas redes sociais se pode assistir ao desenvolvimento de “surtos” de informação ou de desinformação, que estão dependentes de vários fatores. Pode aliar-se o conceito de influenciador ao de superdisseminação: sabe-se que, para doenças como o VIH e a malária, 20% dos casos são responsáveis por cerca de 80% da transmissão. Ainda assim, são proporcionalmente poucos os conteúdos que se tornam virais na internet, e é difícil prever se tal vai acontecer. Fazendo um paralelo entre a propagação de uma infeção e de uma notícia falsa, esta última parece propagar-se numa área muito maior e de forma muito mais célere do que as notícias verdadeiras, não porque existam mais oportunidades de propagação, mas porque a probabilidade de transmissão em cada uma dessas oportunidades é superior, possivelmente devido ao fator novidade. Ao contrário do que possamos pensar, a vasta maioria dos artigos de notícias falsas não são publicados em websites de origem duvidosa, mas sim por fontes de confiança. O que acontece é que manipuladores online utilizam bots de redes sociais, muitas vezes dirigidos a alvos específicos, para difundir tweets falsos. O objetivo é chegar a jornalistas ou a políticos, que irão funcionar como ampliadores dessa história falsa, fazendo com que esta ganhe credibilidade, chegando a uma vasta audiência. Para isto também contribui o efeito de feedback da imprensa: quando uma notícia é divulgada por um meio de comunicação social, vários outros se lhe seguem. Deste modo, as redes sociais permitem aumentar a eficiência da transmissão. Segundo um estudo que pretendia efetuar uma comparação da prevalência de conteúdo de baixa credibilidade relacionado com a pandemia de COVID-19, entre as plataformas Twitter e Facebook, as contas automatizadas não parecem ter um grande papel na disseminação de conteúdo duvidoso, sendo as fontes oficiais as principais responsáveis pela infodemia, havendo inclusive uma coordenação entre diferentes contas, em ambas as plataformas. Como se pode, então, travar a propagação de uma notícia falsa? Tal como na transmissão de uma doença infeciosa, vários fatores estão implicados, e o encurtamento do tempo de reação desde a origem do surto é fundamental. Tal como a imunização ativa tem sido utilizada no combate à pandemia de COVID-19, também a imunização psicológica pode ser utilizada como uma arma na luta contra a infodemia. “Um dos maiores desafios da Saúde Pública é convencer as pessoas”, tal como é citado no livro, e a comunicação é uma das competências essenciais do médico de Saúde Pública, constituindo uma ferramenta fundamental no combate à desinformação. Autoria Filipa Gomes Edição Joana Silva “Tackling harmful content will have a direct effect – preventing a person from seeing it – as well as an indirect effect, preventing them spreading it to others.”
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