Muitas delas são mães e estão longe dos seus filhos. Se tinham um companheiro, foram provavelmente abandonadas à própria sorte, — mesmo que uma grande parcela esteja ali por influência deles. Grande parte delas ainda está longe da sua terra natal e carrega o estigma quadruplicado de ser mulher, negra, pobre e “criminosa”. Historicamente, as mulheres estão menos envolvidas em crimes do que os homens. Este facto esteve por muito tempo associado às regras sociais e à assimilação de uma ideologia patriarcal. No entanto, a libertação feminina alcançada nos últimos anos, na medida em que trouxe inúmeros avanços em todos os aspetos da mulher como ser humano e cidadã, também a deixou mais vulnerável a diversos fatores que elevam o risco de ser privada de liberdade. Consequentemente, o número de mulheres no sistema prisional disparou e cresce mais rápido do que a população masculina em todos os continentes. A maioria dos delitos cometidos por mulheres envolve tráfico de drogas e está ligado ao facto de elas ficarem em posições subalternas ou periféricas na estrutura do crime, sendo mais expostas à ação policial, como no caso das “mulas”. Além disso, geralmente as mulheres sofrem influências masculinas, diretas ou indiretas. Muitas são induzidas a cometer ou participar do crime ou a assumir a culpa sozinhas para livrar o homem da reclusão, servindo como escudo contra a ação policial. Quando se relacionam as discussões de identidade e género com a criminalidade feminina e a vida na prisão, ressalta-se que ao mencionar as mulheres denominadas como infratoras, violentas, criminosas ou outra denominação que lhes seja dada, o que vem à mente é o rompimento que essas mulheres tiveram com o normativo de género atribuído à sua identidade como mulher. Ela é vista pela sociedade como transgressora em dois níveis, da ordem da sociedade e da ordem da família, pois abandona o seu papel de mãe e esposa, papel este que lhe foi destinado pela sociedade. Passa, então, a suportar uma dupla repressão: a privação de liberdade comum a todos os prisioneiros e uma vigilância rígida para protegê-las contra elas mesmas. As questões de género no tratamento da criminalidade da mulher manifestam-se em diferentes esferas. Começam no sistema penal, que reflete uma tradição patriarcal e androcêntrica predominante na sociedade. E mais, o sistema mantém os aspetos discriminatórios (ilegais) que tolhem a emancipação feminina, contribuindo para a consolidação de uma cultura que se apropria do corpo e identidade da mulher como se fossem espaços públicos de discussão. A violência estrutural vivida em comunidades marginalizadas, o papel da classe e etnia como agentes precursores da prisão destas mulheres, a desumanização e abuso que acontece nas prisões, a perda de direitos e o estigma, todos são fatores de suas vidas que surgem amplificados quando são presas. A restrição da visita íntima nas penitenciárias femininas é outro aspeto que aprofunda a violência de género institucionalizada. Apesar das visitas íntimas serem um direito assegurado aos sujeitos privados de liberdade e uma prática regular no sistema prisional masculino, não são parte da rotina da maioria dos estabelecimentos prisionais femininos. Além disso, a prisão feminina impacta diretamente a saúde, tanto da mulher privada de liberdade quanto a dos seus familiares. Estudos mostram que filhos de mães privadas de liberdade possuem piores níveis de saúde e educação, e muitos destes efeitos irão persistir durante toda a adolescência e vida adulta dessas crianças. Em muitos países, a prevalência de diferentes morbidades em prisões femininas é maior tanto quando comparada às prisões masculinas quanto em relação às mulheres da população geral. Existe uma grande falha na provisão de cuidados de saúde em estabelecimentos prisionais condizentes com as necessidades biológicas e sociais das mulheres, como questões relacionadas à saúde sexual e reprodutiva e abuso sexual (entre outras formas de violência de género). Estas discrepâncias revelam claramente que os sistemas prisionais foram concebidos "por homens e para homens", desconsiderando a presença de mulheres, acarretando, consequentemente, uma desigualdade de género e um forte processo de vulnerabilidade. Dessa forma, os estabelecimentos prisionais atuam na direção contrária do que se espera deles: a ressocialização. O contato destas mulheres com o sistema prisional deveria funcionar como uma oportunidade de aquisição de cuidados de saúde por uma população vulnerável que pode não ter as mesmas oportunidades fora dele. Elevar o estatuto de saúde de mulheres privadas de liberdade ao mais alto nível de saúde possível é, para além de um direito constitucional, uma questão de respeito pelos direitos humanos. Bibliografia:
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4/9/2023 0 Comments O papel dos profissionais de saúde na promoção da literacia em saúde: perspetivas e desafios em PortugalDe acordo com a Organização Mundial da Saúde, o conceito de Literacia em Saúde foi definido como as competências cognitivas e sociais que determinam a motivação e capacidade das pessoas para obter, compreender e utilizar informações de formas que promovam e mantenham uma boa saúde. Literacia em Saúde significa, por isso, mais do que simplesmente ser capaz de ler panfletos e marcar consultas com sucesso e vai além de um conceito restrito de educação em saúde e comunicação orientada para o comportamento individual. Literacia em Saúde aborda os fatores ambientais, políticos e sociais que determinam a saúde e ao melhorar o acesso das pessoas à informação de saúde e a sua capacidade de a utilizar eficazmente, sendo crucial para o empoderamento do cidadão individualmente e da sociedade como um todo. Assim, os profissionais de saúde têm um papel central na promoção da Literacia em Saúde. Pensando na abordagem individual da maioria da prática clínica, os profissionais de saúde são as fontes primárias de informação em saúde, capacitando os seus utentes a compreender, avaliar e aplicar informações relevantes para tomar decisões informadas sobre a sua saúde; e por outro lado, são influenciadores e promotores do comportamento salutogénico dos seus utentes, motivando-os a escolher as opções mais saudáveis. Por outro lado, numa perspetiva comunitária, e nas competências de um Médico de Saúde Pública, os profissionais de saúde podem influenciar e intervir nos fatores ambientais, políticos e sociais, potenciando ecossistemas promotores de saúde, e facilitando o acesso às opções mais saudáveis; para além de através de estratégias de comunicação e educação para a saúde poderem melhorar diretamente o nível de conhecimentos de saúde e em última instância de Literacia em Saúde, da sua comunidade. Contudo, na definição apresentada inicialmente, aborda-se um dos aspetos que considero essenciais para a operacionalização da Literacia em Saúde e um dos nossos maiores desafios: intervir em Literacia em Saúde, para além da dotação unilateral de informação em saúde. “The great enemy of communication is the illusion of it.” - William Whyte Adaptando a citação de Whyte, um dos maiores desafios da Promoção da Literacia em Saúde, em Portugal, é a ilusão de que isso está a acontecer. O conceito ficou popular e vemos regularmente Planos, Estratégias e Ações referindo “Literacia em Saúde”, mas pouca concretização prática para além do folheto, poster ou publicação na rede social. Quantos são os planos e as estratégias que envolvem realmente os profissionais que os irão implementar e os públicos que pretendem alcançar? Quantos são ainda, aqueles que partem de um diagnóstico de situação que permita dirigir e customizar as medidas a aplicar? Tal também acontece, porque durante alguns anos, na maioria dos Planos de Saúde, Literacia em Saúde foi vista como uma ferramenta e não como intervenção em si mesma. Os principais desafios e oportunidades na área da Literacia em Saúde são já sobejamente conhecidos e, ainda que com falta de recursos e com um longo caminho a percorrer para obter os resultados almejados no novo Plano de Literacia em Saúde e Ciências do Comportamento 2023-2030, Portugal tem sido um dos pioneiros no que diz respeito à definição de estratégias e ações no âmbito da Literacia em Saúde em articulação com as Ciências do Comportamento, procurando as melhores práticas na ativação de comportamentos de prevenção da doença e de proteção e promoção da saúde. Nos quadros abaixo compilo alguns desses desafios e oportunidades.
Destaco 5 ideias-chave como ponto de partida para o investimento na Literacia em Saúde:
Neste âmbito as competências em Planeamento, Comunicação e a visão holística e integrada dos Médicos de Saúde Pública, são essenciais para melhorar os níveis de Literacia em Saúde da população portuguesa e para influenciar a adoção de comportamentos saudáveis. Numa altura em que o padrão social e de consumo dos Serviços de Saúde se altera, e com a patente necessidade que existe da correta autogestão da saúde e devida utilização dos Serviços de Saúde para possibilitar a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, acredito que é, cada vez mais, necessário colocar a Promoção de Literacia em Saúde nas nossas prioridades de intervenção. Para além disso, há muito que se fala da centralidade do cidadão, o que só pode ser uma realidade se este souber aceder, processar e utilizar a informação necessária para a sua saúde. Em suma, é necessário um esforço coordenado que envolve não apenas os profissionais de saúde, mas também as instituições de saúde, os meios de comunicação, o sistema educativo, social e político. Os profissionais de saúde, no seu dia-a-dia, podem contribuir ativamente para a Promoção da Literacia em Saúde, e os Médicos de Saúde Pública, em particular, podem ser decisivos para a operacionalização da Literacia em Saúde, e para a inclusão da Literacia em Saúde e das Ciências do Comportamento de forma transversal e basilar nos vários Planos e Estratégias de Saúde. Desta forma, potencia-se a criação de Sistemas Promotores da Literacia em Saúde, e obtendo melhores resultados de saúde para a população.
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Histórico
Outubro 2023
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